como se desenha um país

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Disse que faria uma declaração de interesses com a displicência natural de um fait-divers. A expressão encerra em si própria uma carga demasiado negativa, como que assumindo a pertença a um encapotado grupo de salteadores. Mas, como prezo os princípios que norteiam a minha actividade pública, devo apenas declarar que desenvolvi nos últimos 4 anos o papel intenso e interessante de fiscalização da acção de uma junta de freguesia. Dá mais trabalho que organizar uma manifestação por ano, atirar umas pedras à polícia, pintar uns cartazes, enforcar coelhos, destruir mobiliário urbano, cantar a grândola vila morena (bela terra por sinal), fazer uma greve (o rei na barriga dos tap’s, rtp’istas, dos gajos dos portos ou dos militares, dava para mais mil anos de monarquia), bloquear reformas, bloquear debates, and so on.
 
Se alguém conhecesse a fundo os meandros, desmandos, parvoíces, e outras qualidades da gestão de uma junta de freguesia, seria a favor da agregação nem que fosse pelo único motivo de extinguir 1/4 da ignomínia que é esse desbarato (que custa caro). Mas é mais fácil mandar o Relvas estudar do que escrever cartas a reclamar o direito a aceder às contas públicas, às facturas, perder horas a conhecer as leis, os direitos, as instituições, os tribunais, os decretos, e toda a parafernália legal necessária. No fim de uma luta intensa, acedi a tudo o que é necessário para poder dizer que conheço todas aquelas despesas ao cêntimo.

Dizem algumas pessoas que é uma utopia, que sempre haverá corrupção (luta inglória quiçá). É desta semente, do facilitismo e demissão generalizados, que nasceu o monstro socrático (contaminando tudo e todos com as ideias faraónicas). É dessa ideia recrudescente, de que como cidadãos nos podemos demitir da responsabilidade comum (e que por obra do acaso alguém fará de fiscal), que atolamos na inercia. A reacção é natural e eu entendo-a. Toda a gente compra um bom sonho, principalmente se a quimera for barata (mas dos ventos de paris falarei noutra altura).

Como se sai desta embrulhada? Reactivar este blogue parece-me um possível contributo. Debater algumas ideias, candidatos e candidaturas, programas e soluções. Não haverá milagres, mas pode ser que, se cada um deixar de exigir na medida das suas ambições, cheguemos a uma sociedade menos injusta. Como dizia o Manuel António Pina:
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Uma casa é as ruínas de uma casa,
uma coisa ameaçadora à espera de uma palavra;
desenha-a como quem embala um remorso,
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Como se desenha uma casa
Assírio e Alvim, 2011
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ps: Relvas, tenho saudades dos olhos da paula moura pinheiro a hipnotizar o telespetador com cultura
ps2: agradeço ao super-vereador o concerto dos diabos na cruz
ps3: as únicas palavras que aceito escrever segundo o acordo são espetadores ou telespetadores
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