Porque somos bracarenses?

O Pedro tem 8 anos e é sócio do Sporting de Braga, tal como o seu pai e, mesmo vivendo fora de Braga, numa terra de muitos adeptos dos clubes chamados "grandes", mantém-se fiel ao seu clube, deslocando-se ao estádio, pelo menos de quinze em quinze dias para acompanhar a sua equipa. Na escola, todos os colegas são benfiquistas, portistas ou sportinguistas e o Pedro habituou-se a perder todas as discussões futebolísticas dos intervalos das aulas à segunda-feira. Mesmo quando o seu Braga obtém grandes resultados no fim-de-semana anterior a essas fatídicas discussões, o Pedro perde sempre porque, se é verdade que contra factos não há argumentos, também é verdade que contra uma maioria ofuscada pela cegueira, não há argumentos que valham a ninguém.

A caminho de casa o Pedro imagina-se com a bola nos pés, emblema ao peito, o estádio 1º de Maio a vê-lo jogar e ele... A marcar, a marcar muitos golos. Fantasia acerca dos festejos que irá fazer, os golos que irá marcar, as lágrimas de alegria no momento do golo do título que o próprio irá assinar. Um dia, numa época menos boa do seu clube, influenciado pelos amigos e em vésperas de um jogo grande, o Pedro pergunta ao pai:

- Porque é que somos do Braga? Se calhar nunca vamos ser campeões e este ano ainda vamos mas é para a segunda divisão.

O pai explica que mais do que procurar vitórias com o nosso clube, devemos acreditar nele, porque acreditar em algo que é nosso, algo que de certa forma simboliza os nossos valores, a nossa região e os nossos interesses, é acreditar em nós próprios. Torcer por aqueles que ganham, simplesmente porque ganham, é não ter carácter. É procurar vitórias naquilo que não é nosso, é procurar vitórias a todo o custo quando não as temos noutras ocasiões da nossa vida. As vitórias devemos procurá-las no nosso dia-a-dia. No desporto são importantes, sabem bem, mas não são fundamentais ao nosso desenvolvimento e realização enquanto seres humanos.

O Pedro ouviu estas palavras, entendeu o seu pai, mas quando se tem oito anos e se quer ser o maior entre os amigos, as pequenas vitórias são importantes, principalmente as vitórias desportivas. Pensou para si e tomou uma decisão. Deixaria de ser bracarense e passaria a torcer pelo tal clube "grande" que iria visitar o Braga naquele fim de semana. Não comunicou a decisão ao pai, mas sabia que mais tarde ou mais cedo se iria manifestar a favor da sua nova equipa no estádio.

Chega o dia do jogo. Desta vez não levou o cachecol. Sentado na velha pedra do 1º de Maio assistiu calmamente ao aquecimento.

Porém, na altura da entrada em campo das equipas (na altura entrava uma de cada vez), algo insólito aconteceu. O Braga entra em campo, as bandeiras e os cachecóis bracarenses agitavam-se e o Pedro sentiu vergonha de não ter trazido o seu. Sentiu que aquela era a sua equipa, aquele o seu povo, aquela era a sua terra e as lágrimas começaram a correr secretamente pela sua face. Ninguém reparou. Chorou baixinho e jurou nunca mais trair a sua equipa, nunca mais trair o que era seu, o seu povo, a sua cidade, a sua gente.

Os anos passaram e hoje o Pedro tem vinte e cinco anos. O sonho de jogar pelo Braga foi-se desvanecendo talvez pela falta de jeito para representar um clube de tal dimensão e porque a vida o levou para outras opções profissionais. O Pedro agora vive em Braga e continua a ir a todos os jogos do Braga, com o pai e o irmão, e mais do que nunca acredita num Braga campeão. Não vai ser ele a marcar o golo do título. Mas espera estar no estádio a festejar quando esse dia chegar.

Dedico esta história, a todos aqueles que acreditam naquilo que é seu, nas suas gentes, nas suas raízes, nos seus clubes, sejam essas pessoas do Braga, do Guimarães, do Boavista, do Porto, do Sporting, do Benfica, de qualquer outro clube, de qualquer outra cidade. Mas escolham aquilo que é realmente vosso e que vos representa.


Texto escrito pelo Indústria. (artista anteriormente conhecido como Zé Ba(p)tista.)

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