Olhar sobre Braga

Se eu te dissesse que acredito no destino, que me responderias? Não gosto de afirmá-lo assim porque sei que, por esta altura, o significado corrente desta palavra anda pelas ruas da amargura. Pensa mais num esquema gigantesco em que tudo acontece por uma razão lógica, resultado de todas as nossas acções. Se tudo tem uma razão de existir, um significado faz sentido pensar nos detalhes, nos pormenores, nos mais pequenos e insignificantes acontecimentos e mesmo na sorte, como uma parte do jogo. Olha o nosso caso. Ainda me lembro, e como me aperta o coração recordar, da última tarde antes de te conhecer. Sentado no chão do quarto que me vira crescer fixei a cama submersa de roupa, de tal forma que não distinguia a cor do lençol. Aquele olhar fixo para não juntar as pálpebras, sabes? O dia aguardado tinha chegado rápido demais. Assustado e invadido de dúvidas, pensava se o que estava prestes a acontecer fazia sentido, se tinha sido a melhor opção. As lágrimas que a minha mãe escondia para me tentar entusiasmar, a quantidade de tralha que levava comigo, a tristeza de partir. Abandonar a casa dos pais. Não sei porque te escolhi, se te tinha visto uma vez quando ainda não tinha idade para me lembrar foi muito. Ainda hoje, quando confrontado, não consigo apresentar um motivo convincente.

A verdade é que cheguei, sozinho, e não me desiludiste. Admito que seja fácil entusiasmarmos por ti, tu facilitas. No início, durante aquela lua-de-mel, só conseguia pensar que encontrei a minha perfeição. Tudo o que via em ti fazia sentido, completava-me. Os fins-de-semana deixaram de ser ponto de retorno à casa partida, pois a tua companhia era mais apetecível. Desigualaste a luta e aniquilaste a competição. Passaste a ser o meu eixo de gravitação, negligenciei tudo o resto. Ilusão de quem se apaixona. Aqui entre nós, confesso as saudades do que sentia nessa altura, da vontade, do querer. Acho que ficámos cegos. Nada mais ao nosso redor interessava. Como era bom pensar que nos bastávamos um ao outro. Gostava de voltar a senti-lo. A intensidade, o fervor, a alegria. Era tudo tão novo, tão diferente.

E sem aviso prévio, surgem os primeiros defeitos no mar de virtudes. Isto não me agrada. Não eras assim. Mudaste. Quando na verdade o que mudou foi a lente. Dizem que não existe realidade, que é um processo de percepção subjectiva. O estímulo é sempre o mesmo, a nossa forma de o interpretar é que muda consoante as nossas experiências e expectativas. Subscrevo. E assim morreu a beleza da perfeição, a fantasia. Nasceram as dúvidas, perdeste o lugar de única, desenharam-se alternativas, porque afinal já não és a resposta, mas sim a fonte dos meus problemas. Sei que também sentiste o vento da mudança. E então que fazemos? Abandonar o barco nunca fez o meu género, maior parte das vezes por teimosia. Acho que desperdiçar tudo o que vivemos até agora não faz muito sentido, até porque recomeçar é um processo manhoso e para o qual já não tenho paciência. Tens os teus defeitos. Agora já os conheço. Podes ter a certeza que vou continuar a tentar mudá-los, mas terei que me habituar a viver com eles. Sei que a tua ausência magoa-me e a tua rudeza entristece-me. Gosto de descansar em ti e sentir o teu silêncio. Reconheço as tuas avenidas, sei o que me espera quando dobro uma esquina, já palmilhei as tuas ruas, escondi-me nos teus becos. Andei por ti sem sentido, à procura de algo que sempre soubeste oferecer. Foste sempre tu, nos bons e nos maus momentos. Partilhas-te as minhas maiores conquistas e derrotas. Reconheço de olhos fechados as tuas paredes, os teus cheiros. Adoro contemplar-te de um lugar alto que não deixa de ser teu. Serás sempre lindíssima, tanto húmida pela chuva, como seca pelo calor.

Aprendizagem, choque, adaptação, diferenças ou simplesmente namoro, chama-lhe o que quiseres. Mas a nossa relação é assim, uma descoberta, um desafio. Já não somos inocentes como quando começámos, sabemos que nenhum de nós é perfeito. Já não sentimos o arrebatamento. Tudo se transformou em hábito, em certezas. Cansa? Concordo. Não é fácil perceber-te, compreender os teus ritmos e humores. Mas quero conhecer-te, aceitar-te tal como és, porque afinal…foste a escolha que fizemos.

8 Response to "Olhar sobre Braga"

  1. Adorei ler este texto...

    S. G. says:

    ó xico, não é que a gaja fez o mesmo comigo?! :) (depois vais peceber)

    grande tirada.

    Unknown says:

    Eu também! Aliás, é com orgulho que afirmo que eu sou uma grande fonte de inspiração para este indivíduo. Posso mesmo dizer que sou o seu guru.

    Unknown says:

    Ó Fernando Pessoa, acho que estes comentários em simultâneo servem para definitivamente esclarecermos aquelas que acham ainda que nós somos uma e a mesma pessoa....

    S. G. says:

    ó dr. ainda restava essa dúvida ? :) muito bom...

    acho que quando chegar o mugabe da guiné organizamos um jantar e tiramos as dúvidas em definitivo.

    Parabéns. Muito bom!

    Agradecido. Pelo convite e tudo.
    Confirmo aqui, para as 3 pessoas que lêem esta caixa de comentários - és a minha maior fonte de inspiração grande palerma. :)
    (que te fez a gaja xico???ai a marota...:))

    também li a caixa de comentários e gostei muito do texto! :) Parabéns

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