rótulos que os próprios podem forjar
saramago fez-me lembrar uma namorada traída. sinceramente, e perdoem-me as leitoras, reivindico essa certeza de que apenas as mulheres conseguem vingar em profunda tensão. apenas elas, as mulheres, sabem viver no indelével abismo de conseguir morrer do que antes afirmaram. e saramago pareceu-me assim. talvez um dia percebamos as suas motivações nas páginas de um diário por escrever. limpemos dos nossos silenciados preconceitos as convicções políticas do dito escritor. as palavras de saramago não são as de outro comunista. estes são muito dados a congeminações críticas em torno da matéria literario-teológica da bíblia. saramago falou em dor. não falou com aquela visão que os comunistas educados na especulação filosófica se habituaram a ter de tudo o que não é propriamente filosófico (escuto cuba, escuto gulags, escuto coreia do norte, alguém? alguém escuta?), isto é, uma ideia por demais abstracta (onírica?) para ser válida em assuntos concretos. não me atrevo a dizer que tudo o que saramago disse está errado. longe disso. interessa-me é perceber o que falou saramago. deixemo-nos também de considerações pós-modernaças relativas à publicidade que o único nobel da literatura português pode eventualmente estar a procurar. nem o papá acredita nisso, como bem explicou o marco. e tento procurar um outro lugar para ver as coisas, um lugar mais alto onde estas palavras se adaptem à doutrina que tanto incomoda saramago. e bateu em tudo. e em todos. admitamos, os que não lêem a bíblia não serão muito diferentes (serão exactamente os mesmos?) dos que falam com propriedade da obra saramaguiana sem nunca terem passado das primeiras páginas dos seus livros. e, apesar disso, é bem provável que as suas salas estejam forradas com várias edições de todos os livros de saramago versão pop-star. não é diferente do deus por cá vangloriado. a ignorância, portanto, é bipolar, meus caros, e joga com extraordinária facilidade nos dois tabuleiros. talvez um dia possamos fazer umas entrevistas no alentejo e aferir das noções e respectiva mundividência dos votantes comunistas. seria um exercício curioso, certamente. voltando a saramago. havia mágoa no discurso. como se ele mascarado quisesse ao mesmo tempo arrancar a sua própria máscara, numa espécie de exegese em regresso materno. só lhe faltou assumir. a angústia que se instalou no seu horizonte de murmúrios intensos. havia a raiva de uma solidão ignorada, em saramago. mas quem sou eu para ler o que alguém quis dizer. melhor, o que fez alguém dizer o que disse. eu, ateu convicto e desprendido, assumo com total naturalidade a perdida proximidade com um presumível deus. outros há, felizmente, por aquilo que se lê que também vivem em paz com essa decisão, pena dão os farejantes buscadores de realidade mais indizivelmente concreta. fica-lhes aquém um imenso manancial de aventuras sem as inocentes pretensões revolucionárias. saramago também não enveredou por aí. é isso que defendo. esse caminho fica para ser calcorreado por quem admirar outras avenidas mais centrais na sua localização, menos, muito menos, na exploração verdadeira dessa virtude activa: a "razão clara". para terminar, e voltando a saramago, e recorrendo a esse merecido êxito de bilheteira que foi a adaptação de "ensaio sobre a cegueira" para cinema, seria interessante abordar a questão da luz (tenho mais do que fazer e isto dos blogues nunca me serviu para medalhas ao peito, amigos) e usar um pouco a mioleira para falarmos sobre ela. assim, este paganismo aparece-nos como os deuses que necessitamos nomear, a exaltação dos sentidos que sucede na "viagem branca" (sim?) por entre a infrapaisagem que somos e que naturalmente nos cerca, abordada em plena claridade solar, criando se for preciso a sua própria luz. para aí, amigos, encontrarmos as fascinações, os êxtases, os delírios, as obsessões do visível e, claro, do invisível. mas isto sou eu a dizer, um indivíduo que no campeonato belga torce pelo malines.
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