Sentir a minha cabeça a acenar positivamente ao ler um texto da Fernanda Câncio é uma novidade para mim. Uma estranha sensação. Habituei-me a entender a constância da Fernanda Câncio como o vento que sopra todos os dias; deselegante e incoerente, mas, ao mesmo tempo, espontâneo e inesperado. Fernanda Câncio ergue-se sempre como quem vai para uma rixa. Para o bem e para o mal.

No texto a que me refiro, Fernanda Câncio dá conta de um fenómeno que me tinha passado completamente à ilharga. Um dos malditos maiores, um dos segredos mais bem guardados, um dos orgulhos de qualquer biblioteca pessoal - por mais ridícula e dispersa que esta seja - tornar-se-à, em breve, num mito de massas.

Cormac McCarthy, o de Belos Cavalos, grande cantor das inclemências naturais, desgarros, paixões à deriva, a solidão sempre a comandar, vai marcar presença num dos programas da Oprah. Transpondo este episódio para a realidade lusa, seria quase como se Herberto Helder, subitamente, anuísse a um hipotético convite do Manuel Luis Goucha ou da Fátima Lopes para um programa onde falaria das suas viagens, do facto de recusar sistematicamente os prémios que lhe são atribuídos e de todas as outras bizarrias Herbertianas que estes programas tanto gostam de explorar.

Sinto-me, como a Fernanda, traído. Um escritor não se entrega a um mundo onde é clandestino, prefere, antes, assumir a escrita como fundamento superior de conhecimento, o que é o mesmo que dizer que privilegia o seu meio mais pujante, isto é, a imaginação. Não abarcamos nesta imaginação um sentido corriqueiro de criatividade literária, não falamos aqui, por exemplo, da criatividade de Aldous Huxley, em Admirável Mundo Novo; a imaginação destes malditos, solitários, ásperos e áridos (con)funde-se com a loucura e desabriga o Homem dos seus subterfúgios e das convenções que nos toldam socialmente. Uma imaginação que obriga o Homem a reconhecer o que existe no seu interior. A imaginação que desperta através da transformação da linguagem.