Não há sangue bombeado nas carcaças

Foi ontem. Era noite. Noite metida para dentro. Eu estava calmamente no sofá. Televisão a bater-me nos olhos e os olhos pousados noutra coisa muito mais forte. Havia sono. Na RTP-N começa um debate. Sobre os jovens. Convidaram 4 velhos mascarados e o Soeiro do BE. Pelo PS estava um indivíduo com três nomes e algumas brancas. Os três nomes que agora não consigo recordar auguram-lhe um bom futuro. O PS tem problemas com os seus jovens. A Jamila nasceu com cara de quem está às portas da morte, a mais recente coqueluche encostou-se cedo de mais aos bons e burgueses costumes da vida, o filho do António Costa é filho do António Costa e o Mário Soares já não consegue disfarçar as rugas. O jovem do PS não tinha gravata, mas aparecia de blazer. Um jovem bem posto, bem parecido e mal falante. Tem lá tudo. Pelo PCP estava o João Tiago. Ok, já se riram? É inevitável esta coisa nos comunas, não é? O João Tiago tinha um ar anafado e roliço, que os comunas não ligam a isso da comunicação por imagens. Falou da luta pré-25 de Abril e de como os jovens são do caralho e de como eles merecem melhores condições e comida e apartamentos e carros e dinheiro e roupa para serem felizes. Quem paga? O Estado, olha que caralho de pergunta... Um dos problemas dos comunistas é que acham sempre que a resolução do mundo passa única e exclusivamente por eles. Mas este até é dos mais pequenos. Claro que depois felicitam ditadores e criticam o Dalai Lama, esse grande e violento agitador. Pelo PSD entendo que esteve lá alguém. Havia uma figura a ocupar espaço. Muito espaço, diga-se. O tipo tinha uma mancha no blazer. Ia jurar que combinou a indumentária com o dos três nomes do PS. O do PSD não conseguiu falar muito. Queixou-se disso. Acho que foi o melhor que lhe podia ter acontecido. E a nós, espectadores, também. Pelo CDS estava um velho que disfarçava muito mal a sua pretensa juventude. Referia-se aos jovens na 3º pessoa. "Eles não querem isso!", dizia o decrépito esqueleto. Tinha gravata e uns óculos de massa enfiado no nariz. Enfiados mesmo. Como se alguém lhe tivesse empurrado aquela merda juntamente com a quantidade interminável de asneiras que foi disseminando. O CDS é um problema para os seus militantes. Passo a explicar. Todos sabemos que os militantes de qualquer partido o são sem saberem porquê. São do partido sem serem das políticas. Eu serei sempre do Sporting. Mesmo que o Nuno Gomes venha jogar para Alvalade, por exemplo. Eles é a mesma coisa. Menos a Zita. Mas também é por isso que ela se chama assim. Se fosse gente chamar-se-ia Maria, Paula ou Inês. Assim, é Zita. Bom, eles são CDS mesmo que agora comecem a defender os charros, as putas legalizadas, o aborto ou o casamento à la Cláudio Ramos. São do partido até morrer porque já era assim antes de nascerem. Os do CDS estão numa posição ainda mais delicada, na medida em que ninguém com 2 dedos (diria até só 1 mas o ditado foi inventado muito antes de haver o CDS) pode apoiar o quer que seja que aqueles aligenas defendem. O do CDS era notoriamente o mais bem acolhido pela vida até agora. Bom fato, gravata de seda alinhada e o discurso de quem não sabe o que diz, mas de quem decorou bem o que lhe foi dito. Deve ser associado de uma qualquer firma de notáveis advogados e terá, porventura, uma avença numa qualquer empresa. Digo isto por uma razão: o tipo terminou a sua primeira intervenção a discutir que a cena de controlar os ordenados dos gestores privados é um atentado à democracia. Nesse momento, fez-se luz. Numa volta espasmódica uma curva de riso exaltado arrancou dos fundos da carne trémula todas as minha massas mais difíceis e convexas: "Este filho da puta pelos menos não disfarça!". Há que dar mérito a quem aparece de cara lavada por muito que as suas mãos estejam sujas por dentro e por fora. Fiquei com a sensação de que aquele indivíduo seria por mim agredido com muita facilidade e ainda mais felicidade. "Já morrias", exclamei! Eu sou um tipo pacífico, sabem? Tipo aquelas pedras longamente pousadas em lugares frios sobre leques de água, estão a ver? Mas ao mesmo tempo há como que uma luz que cambaleia a linha que me separa do mundo e aquele cabrão conseguiu anular essa fronteira. Por último, o Soeiro. O Soeiro é parecido comigo. Bom, só lhe falta o banho diário, a lucidez, o excesso de revelação, e mais uma coisonas que não vou enumerar. O Soeiro estava vestido à Sociólogo. À Sociólogo a sério, não daqueles sociólogos que só o são porque não entravam em mais nenhum curso superior. A uma t-shirt roxa era delicadamente (e como é delicado o nosso Soeiro) sobreposta uma camisa de flanela típica dos estivadores das Canixas. As mangas arregaçadas em solidariedade com o proletariado sofredor e com os jovens licenciados obrigados a servir pequenos-almoços numa qualquer taberna em Mondim de Basto. O Soeiro é fluente, principalmente em bloquês. Domina na perfeição esta língua. O seu tom é sereno e suave como se todas as coisas o enervassem muito muito muito muito mas ele soubesse que tudo se resolve com calma muita muita muita muita calma. Ou então faz-se uma manif, malha-se nos bófias, picha-se as paredes de tudo o que for edifício e agridem-se uns agricultores. O Soeiro fez questão de dizer que o BE é que é. Que querem os jovens a votar com 16 anos e a ganza e falou do aborto e dos estudos sobre os jovens e porque a igreja e as mulheres na política e mais os recibos verdes camuflados e os sucessivos governos e a postura das Jotas e mais o caralho que o gajo falou que se fartou! E baixinho que enerva, como se quisesse anunciar uma catástrofe de sofrimento e morte. O Soeiro é um jovem despenteado e de barba por fazer. Foi o mais parecido com um jovem, daqueles que aterraram naquele programa.

Foi preocupante, confesso. E eu não sou de me preocupar muito. Já todos sabemos que para 1 bom político é preciso levar com 1000 umbigueiros intelectualmente falidos. O que mais me preocupou foi que, na raiz do osso de todas questões levantadas, apenas o BE conseguiu apresentar propostas. Descabidas, desorganizadas, populistas, demagógicas, mas propostas. Mas já diz o ditado; "Em terra de cegos, quem tem olho é rei". E, meus amigos, se a idade de voto passar para os 16 anos, vamos ver mais Soeiros que Gremlins! E não há Mafu que chegue...

10 Response to "Não há sangue bombeado nas carcaças"

  1. Uma análise mordaz e divertida. O Soeiro é um tipo fixe e um bom deputado ( a melhor intervenção no 25 de abril)

    Voto aos 16, sim sr. E erva legal para ser fumada nos locais próprios nunca nos aviões mesmo em ar Chavista.

    Anónimo says:

    Muito bom este post! Sempre em alta Dr. Etc! Também não me revejo nessa escumalha! Mais uma vez parabéns!

    João Paulo

    Anónimo says:

    Custou a ler, mas valeu a pena! bom texto boa crítica. Os palavrões é seriam bem evitados...

    Parabéns pelo retrato desapiedado, pintado com as letras do espírito anti-eufemístico e da coragem de se dizer o que se pensa, sem constrangimentos.
    Quanto aos palavrões, não me chocam. Fazem parte do estilo… são como a camisa de flanela, a barba por fazer e o cabelo despenteado do Soeiro... Sem estes, o Soeiro não seria o Soeiro!
    Penso que os palavrões do Dr. Etcétera não se associam ao mero uso do calão pelo calão, diria mesmo que são idiossincráticos, estando ao serviço de uma personalidade peculiar! :)

    Unknown says:

    Obrigado a todos. Nunca pensei ter 4 pessoas a ler este texto do início ao fim!

    P.S.- Sandra, tens hi5? :-)

    Tens 5 dr., tens 5...
    Este post vai ser encaminhado para quem de direito...

    Afinal já são 6. Mais uma vez gostei da forma sincera com que escreveu mas, embora não concordando com tudo é das poucas pessoas que me consegue por a ler um post inteiro com estas dimensões (é grande este post...) Quanto à Sandra não sei se tem hi5 mas é uma menina muito fixe e tambem escreve muito bem.

    Anónimo says:

    este gajo é o maior!

    Unknown says:

    Vocês quase que me comovem. Ó João, não me arranjes chatices*


    *Arranja, arranja que eu até gosto :-)

    abraços

    Dr., não tenho hi5.
    Obrigada, Alex! Já agora, aproveito para dizer que também és muito fixe e tens muito jeito para os cartoons, já para não falar da tua veia poética: )
    Ó Dr., já reparou que esta caixa de comentários se transformou num verdadeiro reservatório de elogios? Diria que, perto disto, o "efeito AXE" deixa muito a desejar! Os egos agradecem! : )

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