Páscoa: compasso, amêndoas, coelhinhos, ovinhos e dettol...
By Sandra Cerqueira
on terça-feira, 14 de abril de 2009
23:03
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Páscoa
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saúde pública
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A passagem do compasso pascal pelas habitações é uma tradição que se mantém bastante viva na cidade de Braga, ainda marcada por uma intensa religiosidade. Na verdade, a Semana Santa é vivida e celebrada de uma forma profunda e peculiar por milhares de bracarenses e visitantes. Contudo, e apesar de todo o fervor e movimento que o período quaresmal empresta à cidade, a época acaba por ser, ano após ano, uma réplica contínua de rituais, cerimoniais, formalidades... Para uns, este facto é entendido como uma austera monotonia e, segundo outros, revela uma tradição orgulhosamente enraizada.
“Tlim-tlim-tlim”, entoa o sininho intensamente chocalhado nas mãos de uma criança, já exausta de tanto andar e que logo se apronta a sentar-se. “Paz a esta casa e a todos quantos nela habitam… Aleluia! Aleluia! Aleluia!” Invariavelmente, é com esta lengalenga (e perdoem-me os mais sensíveis pelo tom herético do termo) que as cruzes floridas e perfumadas percorrem as casas, anunciando jubilosamente a ressurreição de Cristo. De seguida, vêm os beijinhos, os apertos de mão entusiasmados, os abraços e as palmadinhas nas costas, acompanhados da repetida e calorosa expressão “boas festas!” Num abrir e fechar de olhos, a visita termina com o tilintar das moedas e o cair surdo das notas nos saquinhos de veludo… De quando em vez, aparece também o envelope branco assinado, que os mais esquecidos enviam à última hora ao senhor abade (sim, porque o envelope, por norma, é enviado com a devida antecedência! Talvez por motivos de facilitação da “contagem”…) Saldo positivo para o senhor abade porque engordou (a conta); saldo positivo para os donos da casa e seus convivas porque receberam a visita de Cristo; saldo positivo para Cristo porque ressuscitou e, além disso, carrega mais germes, bactérias e microrganismos afins do que os que carregava na casa anterior… Mais um beijinho, mais um microbiozinho! E assim se cumpre a tradição! Tal como canta o senhor abade brasileiro que dança e faz karaoke nas missas, “são todos filhos do Senhor!” (incluindo tais seres microscópicos…)
De facto, pensar que a mesma cruz é beijada de forma sobreposta por centenas e, talvez, milhares de pessoas sempre me fez alguma confusão, mas a verdade é que isso nunca me inibiu de fazê-lo. No entanto, este ano deparei com uma incrível surpresa, numa pitoresca mas, já por este facto, avançada freguesia de Braga: o mordomo não só transportava a cruz como também toalhetes da Dettol! Sempre que beijada, a cruz era limpa com um toalhete! (Não sei com que frequência este era substituído. Talvez um por casa, não faço ideia, mas valeu a intenção, a preocupação demonstrada pelas regras da boa higiene!)
“Paz a esta casa e guerra aos germes que nela queiram habitar… Aleluia! Aleluia! Aleluia!”
ahahahhahahaha! toalhetes, muito bom! ahahahahahah
etc.
"A tradição já não é o que era! Todavia,este acontecimento que é a Páscoa prevalece enraizado na nossa história."
Parabens pelo texto.
Parece-me bem o uso de toalhetes, não me repugna nem retira dignidade nenhuma ao ritual de beijar a cruz.
cumprimentos