fontes de inspiração

a baía dos tigres (1999),
pedro rosa mendes
pulicações dom quixote [408 pp.]
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porque o mês de novembro tem uma semana a mais que o costume, decido nesta semana, e por manifesta falta de cumprimento do prazo estabelecido para ler a obra do mês (a faca não corta o fogo de herberto hélder), decido como dizia, falar de outra obra. é uma questão de honestidade, não falo do que não conheço, embora admita que possa haver quem o faça por cortesia à sua irreverente imagem pública. eu, que não escrevo para agradar a massas (embora este blog tenha visitas suficentes para se considerar como tal desiderato), dou a minha opinião. e desmistifiquem as vossas crenças, daqui não sairá uma indefinível crítica com qualidade literária, porque se isso acontecesse era por manifesta sorte, ou porque teria algum amigo bem colocado.
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escrevo porque gosto de ver gente a ler. as escolhas pouco importam. é como dizia o miguel esteves cardoso (mec) (revista ler de novembro, pp. 35, vão lá verificar), "[...] toda a gente tem o direito de ler." e se são best sellers, perguntam vocês e muito bem? o mec responde assim "Os livros são uma merda? Sim, são uma merda para quem gosta de livros bons." (e agora dr. etc? o mestre falou e a coisa piorou para o teu lado)
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o que me faz escrever sobre este livro é evidentemente a sua qualidade. e se eu tive quem mo indicasse, porque não indicar a mais gente, apoiando o autor pela sua enorme coragem e dedicação para escrever esta obra?


o autor, pedro rosa mendes - jornalista -, realiza uma viagem numa época conturbada da guerra em angola. a ideia era fazer a travessia por terra de angola a moçambique, "de angola à contracosta", viagem tentada por muitos e concretizada por poucos. resultam desta sua experiência uma série de reportagens que o notabilizou na opinião pública, sendo que este seu romance (o primeiro) acabaria por recolher uma crítica positiva generalizada, acabando por ser premiado pelo PEN Clube em 1999.
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é um livro de histórias varidas, feito do cruzamento da realidade vivida na sua viagem, com a excelente prosa criativa do autor. é feito com gente que vive no meio de uma guerra esgotada, gente pobre onde qualquer favor é necessário à sobrevivência, gente humilde e gente capaz da ajuda. ao longo do livro perdemo-nos muitas vezes nas ruas desertas de angola, com a geração de mutilados esperando um dia de cada vez, com armas e passaportes em dólares, com histórias de portugueses destemidos que enfrentam a guerra por amor à sua terra. "talvez porque amar em perigo tem uma intensidade absoluta, a da iminência do fim" pp. 224
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e o amor existe nesta obra. destemido e dedicado, talvez na mais bela história que li nos últimos tempos. pouco mais de quatro páginas (263 - 267, vão lá aferir) de pura energia cósmica, algo que não se percebe se é verdadeiro ou inventado a partir de uma noite fria. dessas em que o vajante está no deserto enfrentando os perigos.
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é um hino renovado à literatura de viagens. o que nunca teremos oportunidade de ver pode ser-nos revelado de forma clara, em prosa aprazível que vai desvendando os mistérios locais, como a manhã de nevoeiro que de repente se dissipa, deixando à nossa frente um caminho enorme em terra, mesmo que minado. mas é a alma do viajante que suspira em mim. viajar é essa vontade de crença no desconhecido. uma fé estóica na novidade e no deslumbre possível.
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uma lição aos aventureiros. um testemunho arriscado numa terra de árduas lembranças. um volume escrito de realismo compassado numa viagem tortuosa. mas "não se viaja tão em paz como num país em guerra" pp. 238

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