Em quarentena

É assim que me sinto: em quarentena. Sinto-me em quarentena sempre que leio os gladiadores do novo mundo a discutir, por exemplo, as médias de entrada na faculdade. O melhor curso. O melhor aluno. A melhor nota. A nota menos baixa de acesso. O curso mais inovador. Os estudantes mais procurados. Estou em quarentena. Sou absolutamente miserável e não pertenço a essa conversa. A minha imagem pertence ao tapete que esses senhores pisam. Em quarentena.

Neste mundo, a análise do poder é feita cara-a-cara; vence o mais forte e o mais poderoso, mas, por vezes (ou quase sempre?), esse é também o mais ardiloso e o mais amoral. É o homem de regresso à sua condição de animal irracional. Desta feita, erecto, polido e socialmente integrado (ou dominado?).

Desesperos vários se dão expressão e uma espécie de quase violência brota neste género de conversa. Em acordo ou em total negação, o afunilamento da visão periférica destes senhores é similar à angústia que tentam limitar a um horizonte preciso, embora, segundo estou em crer, ela lhes venha de mais ancestrais e intemporais raízes. Numa altura em que a nossa geração parece mais preocupada com o expressionismo - do que pela expressão mais intelectualizada e complexa -, aflora o já patenteado desespero. O desespero da (sua própria) perfeição e o desespero no modo como sentimos as coisas e o mundo. Não há quem se preocupe em valorizar a cada palavra os reflexos luminosos e sombrios das ideias que fogem da aparência calma da linguagem imposta. É por isso que somos uma geração desesperada que cede, dia após dia, às cintilações do mundo feroz e menos nítido que nos chama.

O alerta vem sendo dado. Primeiro, Camus. Depois, Saramago. Mais recentemente, José Luis Peixoto. O alerta é dado todos os dias. Que alerta? Os romances e obras ficcionadas que funcionam como uma parábola universalista sobre a condição humana. Condição humana, no nosso caso, restringe-se ao homo occidentallis. As críticas são várias e manifestam-se em diversos aspectos da nossa vida corrente. O modo como encaramos o ensino - falo do ensino porque me referi à histeria das médias - é apenas e só uma das vertentes dessa pseudo-pulsão hermenêutica: a que afere da capacidade de cada em função da sua qualidade aos olhos de alguém que o avalia. O que critico é a aceitação incondicional e acrítica de que sejamos movidos por intuitos e planos racionais, que a motivação das nossas acções seja lógica e transparente à consciência e que o incontestado domínio do pensamento racional sobre todos os outros sectores da sociedade possa conduzir o homem à felicidade.

Bom, honestamente vos confesso, não sou exemplo para ninguém. Aliás, não se deixem sequer confundir pela prolixidade do meu discurso. Risquem-me e riam-se de mim. Porventura, estou errado e apenas me indigno porque ainda não encontrei "mehr licht" para seguir a minha vida. Este meu cepticismo moral conserva, ainda assim, uma lúcida, porém ténue, zona de esperança. Em quarentena.

11 Response to "Em quarentena"

  1. Concordo, percebo a tua quarentena. Também estou num estado de privação de tais conversas, mas um pouco mais longa do que uma quarentena.
    Prolixas, são estas gladiações insensatas, narcísicas, púberes, sem objectividade, que só servem para encher até à rolha o ego de quem as pratica.

    Anónimo says:

    "encher até à rolha", gostei e já me ri.

    Anónimo says:

    A entrada na universidade é para muitos o resultado de esforço e dedicação de três anos. Representa, por vezes, mais uma batalha vencida nesta guerra de "notas". Porque não as mostrar?? Esta "quarentena" de que falam representa um isolamento total com a realidade e QUEM NÃO DEVE NADA PARA CONSIGO MESMO, não teme, não foje!!

    P.S: QUANDO AS REALIDADES NOS SÃO REPULSIVAS E QUANDO FALAMOS DELAS COM DESPREZO É PORQUE VIMOS NELAS TUDO O QUE QUEREMOS MAS NÃO CONSEGUIMOS ALCANÇAR.

    Anónimo says:

    Amigo/a hc, ia - juro que ia - responder-te à letra, mas depois reparei que escreveste "foje" e perdi a pica toda...

    Anónimo says:

    perante a tua resposta tão pouco significativa, consegui perceber que a tua quarentena é apenas ficticia... tu não te isolas, as pessoas é que se afastam de ti por seres tão "picuinhas". se um erro ortográfico te incomoda tanto para responder e defender uma ideia tua, não me adimira que as pessoas se afastam de ti. estou mesmo a imaginar um discurso teu, cheio de criticas e completamente desumano.

    Só mais uma coisa: errar é absolutamente humano... (tive necessidade de o escrever para que o soubesses).

    Anónimo says:

    "Errare humanum est, perseverare autem diabolicus"

    A sério? A minha quarentena é fictícia? Não me digas... Eu a pensar que era uma verdade inquestionável, um dogma para uma qualquer seita, quando afinal é apenas um desvario metafórico... Obrigado, hc. Finalmente "mais luz" na minha vida...

    De resto, tens razão, hc. Eu não sou humano, sou um cyborg vindo directamente do século XXXV. Um cyborg que gosta (muito) de discutir, mas apenas com quem ele quer e com quem o estimula. E, não, não é o teu caso. Queres um exemplo? Ok, eu perco 3 minutos do meu tempo contigo e depois já podes rebolar extasiado, qual Narciso reflectido na água, no chão do teu quarto...
    Cá vai. O "P.S." que V.Exa se dignou a colocar no seu primeiro comentário é digno de um qualquer diálogo de surdos. Dizer que só desprezamos aquilo que não conseguimos alcançar é de bradar aos céus. Dou um exemplo pueril (tem de ser, não é hc?): se eu numa conversa mostrar desprezo por um assassino, estou, segundo o Lacan contemporâneo que dá pelo nome de hc, apenas a dizer que queria ter sido eu o homicida e que o invejo por ele ter tido a coragem que eu não tive, certo? I rest my case...

    hc, lamento, mas ainda sou eu quem decide com quem converso. Mas a blogoesfera é um espaço amplo, quase infinito. Estou certo de que encontrarás, muito facilmente, algum sítio onde as tuas fascinantemente ocas reflexões obtenham respostas mais significativas do que aquelas que eu te consigo dar...

    Vá, força nesses ossos.

    P.S.- Já que tenho a fama de "picuinhas", nada melhor do que ficar com o proveito: hc, essa acentuação também não é o teu forte, pois não?

    Anónimo says:

    Se as minhas ditas "ocas reflexões" são assim tão insignificantes para o teu ego de "cyborg vindo directamente do século XXXV" porque te deste ao trabalho de me responder??

    Escreves muito para não dizer nada...

    Anónimo says:

    Tenho uma indelével faceta de Madre Teresa...

    Anónimo says:

    Fica com a tua indelével generosidade.

    Quando a esmola vem de um pobre...

    Anónimo says:

    hc o ditado é "quando a esmola é grande o pobre desconfia."

    se a esmola vier de um pobre parece-me que seria um acto nobre e não algo criticável.

    eu concordo com o etcétera e com o marco gomes. as notas são como as medalhas: servem para honrar uma atitude. e quem se pavoneia pelas atitudes que toma, não merece essas medalhas.

    cumprimentos a todos

    Anónimo says:

    Caro anónimo, fica desde já assente que não me estava a referir ao ditado, nem coisa que se parecesse... mas já agora fica a minha opinião:nem tudo que vem dos pobres é louvável.

    Inté

Powered by Blogger