Razão pela qual prefiro o John McEnroe em vez do Ivan Lendl!


O título poderia ser também "razão pela qual prefiro o Agassi em vez do Sampras" ou "razão pela qual prefiro o Maradona sobre todos os outros" ou, por fim, "razão pela qual prefiro o Luiz Pacheco em vez do Saramago". É, é fácil. Gosto deles ásperos. Rudes. Sem preparação prévia. Desmedidos. Gosto de Dennis Rodman, de Charles Barkeley. Não suporto o Tim Duncan. Gosto do Roy Keane. Não gosto do Makelele. Nem do Roberto Carlos. Gosto dos poetas da vida. Dos transgressores. Gosto do Al Berto. Não admiro particularmente o Fernando Pessoa. Gosto do Herberto Helder. Detesto o enfadado do José de Alencar. Gosto do Mourinho.

Convém referir que sou do Sporting. Nestas coisas do futebol ninguém acredita na seriedade do outro. Somos todos sectários. Sou do clube que viu Mourinho rasgar uma camisola de um seu jogador. Camisola essa que estava na mão do Paulinho. Ainda por cima do Paulinho. Mais um motivo para o gajo ser ainda mais detestado... Pois, mesmo assim gosto de pessoas como ele, heréticos. É defeito. Ou feitio, já diz o ditado. Gosto de pessoas que não acreditam no modelo da racionalidade científica que lhes é proposto pela Universidade, pelo mundo dos negócios e pela classe política. Pelo contrário, prefiro a outra abordagem; a visão, a imaginação. Não acredito no homem produzido em série, moldado pelas sociedades de progresso e de destruição. Todos os que atrás enumerei têm a particularidade de serem dos melhores. Dos que não sucumbirão ao pó que teima em se abater sobre a história. Há diferenças entre eles. Roy Keanes, Dennis Rodmans, Luiz Pachecos não se reproduzirão. Não há um novo exemplar deles. Como não haverá um novo Maradona. Há muitos novos Sampras, Lendls e Platinis. Mourinho pertence já ao grupo dos exclusivos. Há muitos Benitéz e Wengers. Surgirão novos Capellos, Sacchis e até Valdanos.

O que representa então José Mourinho? Será ele um ingénuo utopista? Um irresponsável? Será ele um racionalista puro? Ou, pelo contrário, é um indíviduo tomado por um exantema do irracionalismo arrebatador ou de um misticismo desmobilizante? Será que a valorização do indivíduo (ainda que não forma de um colectivo, do seu colectivo individual, por assim dizer) não implicará a ruptura com o mundo? Cairá Mourinho numa espécie de autismo colectivo? Acabará Mourinho isolado no degustar de um prazer egoísta? Ora, todos estes factos são riscos. Riscos com que todos nós nos deparamos e depararemos ao longo da vida. A diferença está nos que os aceitam correr. É o caso de Mourinho. Há ainda o perigo dos desvios. Desvio é o caminha escolhido pelo falsos profetas. Os novos Mourinhos. Os copistas de fórmulas. O problema destes indivíduos é serem burros, diria eu se quisesse ser deselegante. Mas não. Eles próprios é que se perdem numa teia de difícil esclarecimento. A subjectividade. Por isso é que ouvimos debitada vezes sem conta as frases "o futebol é isto" ou "o futebol é assim mesmo". A subjectividade não está virada para si mesma, mas resulta como uma condição anterior à acção. E o Mourinho sabe isso. Continuando. Para além destes riscos, no âmago dos próprios riscos, subsistem os maravilhosos pilares da subversão. O grito de Mourinho é também o de todo o ser que tenta resistir à ameaça de banalização. O silêncio de Rui Faria, e como é importante este sujeito para o Mourinho, é também a pedra que o guerrilheiro coloca nos carris para fazer descarrilar o comboio. O melhor de Mourinho é que as palavras por si proferidas são exactamente aquelas que milhões de homens e mulheres ousarão dizer e repetir ao longo dos anos seguintes. A explosão que Mourinho provocou, primeiro em Portugal e agora na Inglaterra, era impensável. Mourinho representa uma espécie de contributo geracional que desvasta o caminho para uma certa «revolução cultural» e para algumas «práticas de rupturas» sociais, através do desporto. Mourinho é um novo herói social que cresceu no desporto. Um novo Ali. Um Jesse Owens. Em que medida?, - perguntará o mais céptico dos leitores. No essencial. - respondo eu. Mourinho destrói a consciência propagada pelos meios de massas. Cria uma nova consciência. Chega a Inglaterra e põe termo ao primado do factor económico (Chelsea, qual nova burguesia, afronta os brazonados barões do futebol inglês), do centralismo (o título estava dividido sempre entre os mesmos), da hierarquia (Fergunson era inquestionavelmente o melhor e Wenger era tido como uma espécie de novo professor do futebol mundial). Naquilo que pode ser considerada uma extrapolação polémica, Mourinho representa o espírito vigente com que se travaram no século XX - nos Estados Unidos (e noutros países) - lutas sem precedentes contra o racismo, contra a desigualdade, contra o sistema de reprodução e até contra alguns aspectos do imperialismo.

Quando Mourinho apareceu, logo foi apelidado pelos nossos bondosos mas ignorantes jornalistas de metódico, científico, pragmático... Pois claro, o homem é licenciado, usava o computador, tirava notas durante os jogos, só podíamos estar a falar de um rato de laboratório. Em contraste com os homens do futebol. Barrigudos e de pilosidade farfalhuda. Pois bem, eu acho que Mourinho diria que os cientistas são os toxicodependentes da realidade; são aqueles necessitam sempre de exercer o seu controlo sobre qualquer coisa de real. Mourinho recusa enfiar o colete-de-forças dos princípios morais, feito à base de estilhaços e de despojos, urdidos por superstições ancetrais. Pré-primitivas, diria eu. Mourinho quebrou barreiras. O tradutor, o preparador-físico que alterou as leis que governam o nosso futebol. Snyder tem uma frase que define, a meu ver na perfeição, a postura de José Mourinho: "A sabedoria é o conhecimento do espírito de amor e clareza que se esconde por detrás das angústias e das agressões fomentadas pelo ego."

Finalmente, fica a pergunta. Será Mourinho um novo modelo cultural? O de um Narciso, por vezes, mesquinho, isolado do mundo exterior ou, pelo contrário, perfeitamente integrado?

4 Response to "Razão pela qual prefiro o John McEnroe em vez do Ivan Lendl!"

  1. fantástico...

    Anónimo says:

    Ponto número um:

    Ontem vivi intensamente o Liverpool - Chelsea. E contorci-me a cada lance de perigo do Liverpool. E fiquei extremamente contente por ver o Chelsea e consequentemente Mourinho, fora de prova.

    Ponto número dois:

    Não guardo por ele nenhum tipo de ódio de estimação dos tempos do Porto. Como adepto do Braga, nunca me causou grande espécie. Apesar de nunca ter gostado muito da sua postura.

    Posto isto, a minha posição acerca de José Mourinho:

    Enquanto treinador de futebol, manager ou o que quer que seja, José Mourinho é inquestionavelmente um dos melhores. Enquanto estratega, pensador ou gestor de recursos humanos, Mourinho é provavelmente o melhor. A nível técnico (que é o que mais importa no futebol), não vale a pena estar com rodeios. Mourinho é o melhor.

    Mas o futebol ensina também muito mais do que isto. Acabo de ver o Milan "espetar" com toda a justiça 3 bananos (numa linguagem mais técnica) ao Manchester. Cai aquele que para mim era o maior candidato até agora. Apesar do grande (e bonito) jogo que o Milan fez (muito à custa de Pirlo, Seedorf e Kaká), penso que o Manchester joga um futebol muito mais atractivo do que o Milan. Até porque tem Cristiano Ronaldo... Porém, no futebol não há bonitos nem feios. Há os que perdem. E os que ganham.

    Mourinho é, tal como o Milan, dos que ganha. Quase sempre. Mesmo contra as probabilidades. E é isso que importa no futebol, enquanto competição. Concordo com muito do que escreves sobre o Mourinho. Mas não posso concordar quando dizes que "Mourinho recusa enfiar o colete-de-forças dos princípios morais". Concordo no facto de ele não o vestir. Mas não consigo elogiar esse facto. Ultrapassar barreiras, definir novos objectivos, deitar muros abaixo. É bonito. Mas antes disso, existem valores que Mourinho não parece conhecer. Refugia-se (ou os media refugiam Mourinho) na desculpa dos mind games e da Psicologia do futebol. Pois. Mas antes de tudo isso, está o respeito, a admiração, a humildade (sim, a humildade também pode fazer mal, eu sei). Mas Mourinho parece não gostar muito destes conceitos.

    Mourinho tem poucos anos como treinador principal. Já ganhou mais do que a maioria em décadas.

    Trappatoni tornou-se na jornada passada, no segundo treinador da historia a ser campeão em 4 países diferentes. Mourinho vai chegar lá? É muito provável. Mas até lá chegar, deve muito respeito a treinadores como Trappatoni, Ferguson, Lippi, Capello. Ou até Professor Neca. Pronto, o Neca não. Mas Mourinho precisa de entender que no futebol, há valores que imperam. Conheço o futebol como um desporto nobre. É por isso que admiro a Premier League.

    E Mourinho é tudo menos nobre...

    Mourinho tinha dois caminhos:
    O da vitória e o da glória.
    Escolheu o da vitória...

    Porque a glória, essa, é muito mais do que a vitória...

    Anónimo says:

    Amigo Monhé, se puderes (sei que podes porque não fazes um valente) passa por http://www.osdiasuteis.blogspot.com/

    Tens lá uma opinião sobre as ultimas declarações do Mourinho.
    Assino por baixo.

    Abraço

    Anónimo says:

    Quanto ao blogue que citas, sou leitor assíduo e se procurares bem o meu nome está escrito na caixa de comentários, tive inclusivamente honras de resposta por parte do pedro ribeiro... :-)

    Quando te pedi que passasses por cá, não foi por acaso. Quando falei do Ali e do Jesse Owens não também não. Mourinho insere-se neste quadro. Não há de facto barreiras morais, tal como Ali não as tinha e tal como Jesse Owen mostrou não as ter. Admiro o Mourinho porque os seus nunca perdem, só não ganham. Mourinho não é nobre porque violenta as coisas, porque anula o socialmente imposto pela forma como atribui às palavras o sentido profundo daquilo a que se convencionou chamar de degradação. Correcto? Óptimo. Posso estar enganado, talvez inebriado com uma qualquer poção mágica, mas parece-me que para Mourinho a banalização de determinados temas, a superficialidade dos momentos mínimos, o verdadeiro volume das coisas não perdem a verdadeira força interior. Não se tornam moda. Não se esvaziam. Não perdem a sua simbologia profunda e até ancestral.

    O próximo vai ser sobre o Cristianinho. Essa da "glória e da vitória" vai-lhe cair que nem ginjas...

    Vê lá se apareces mais vezes.

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