Holocausto e outros que tais
By Bruno Miguel Machado
on quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
22:15
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Norman Finkelstein
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Novick argumenta também que «pretender que o Holocausto faz parte da memória da América» é uma evasão moral, porque faz-nos «desresponsabilizar de coisas que de facto dizem respeito aos americanos quando se confrontam com o seu passado, presente e futuro» (Sublinhado no original.) (5) Nisso tem toda a razão. É muito mais fácil deplorar os crimes dos outros do que olhar para os nossos. No entanto, também é verdade que, se quiséssemos, poderíamos aprender muito sobre nós mesmos a partir da experiência nazi. O Destino Manifesto foi a pedra basilar de quase todos os elementos ideológicos e programáticos da política de Lebensraum de Hitler. Na realidade, Hitler modelou a sua conquista do Leste pela conquista americana do Oeste. (6) Durante a primeira metade deste século, a maioria dos estados americanos aprovou leis autorizando a esterilização e dezenas de milhares de americanos foram esterilizados à força. Os nazis evocaram explicitamente este precedente americano quando aprovaram as suas leis de esterilização. (7) As famosas Leis de Nuremberga de 1935 privaram os judeus do direito de voto e proibiram a miscigenação entre judeus e não judeus. Os negros dos Sul-americano sofreram dos mesmos entraves legais e foram salvo de uma violência popular espontânea e consentida muito maior do que a exercida contra os judeus na Alemanha de antes da guerra (8).
Para chamar a atenção para os crimes perpetrados no estrangeiro, os Estados Unidos costumam evocar memórias do Holocausto. Contudo, o aspecto mais revelador é o momento em que o fazem. Os crimes de inimigos oficiais como o banho de sangue dos Khmers Vermelhos no Camboja, a invasão soviética do Afeganistão, a invasão do Koweit pelo Iraque e a limpeza étnica sérvia no Kosovo remetem para o Holocausto; mas o mesmo não se passa em relação a crimes em que os estados Unidos estão envolvidos.
No preciso momento em que os Khmers Vermelhos cometiam as suas atrocidades no Camboja, o governo indonésio, apoiado pelos Estados Unidos, massacrava um terço da população de Timor-leste. No entanto, ao contrário do Camboja, o genocídio de Timor não mereceu comparação com o Holocausto; nem sequer foi digno de notícias nos jornais (9). Ao mesmo tempo que a União Soviética cometia o que o Centro Simon Wiesenthal considerou «um novo genocídio» no Afeganistão, o governo guatemalteco, apoiado pelos Estados Unidos, perpetrava o que a Comissão para a Verdade na Guatemala recentemente qualificou como «genocídio» contra a população maia. O presidente Reagan minimizou as acusações contra o governo guatemalteco tratando-as como «disparates». Para elogiar Jeane Kirkpatrick no seu papel de defensora dos crimes que a administração Reagan perpetrava na América Central, o Centro Simon Wiesenthal concedeu-lhe o prémio Humanitarian of the Year (10). Houve quem insistisse com Simon Wiesenthal em privado, para reconsiderar antes da cerimónia de entrega do prémio. Recusou. Houve quem pedisse em privado a Elie Wiesel que intercedesse junto do governo israelita, principal fornecedor de armamento aos carrascos guatemaltecos. Também recusou. A administração Carter invocou a memória do Holocausto quando procurava um porto de abrigo para os boat people vietnamitas que fugiam ao regime comunista. A administração Clinton esqueceu-se do Holocausto quando forçou o regresso dos boat people haitianos que fugiam dos esquadrões da morte apoiados pelos Estados Unidos (11).
A memória do Holocausto foi chamada a primeiro plano quando a NATO, conduzida pelos Estados Unidos, começou o bombardeamento da Sérvia na Primavera de 1999. Como vimos, Daniel Goldhagen comparou os crimes sérvios contra o Kosovo com a Solução Final e, a pedido do presidente Clinton, Elie Wiesel visitou os campos de refugiados kosovares na Macedónia e na Albânia. Mas antes de Wiesel ir chorar por encomenda a sorte dos kosovares, o regime indonésio apoiado pelos Estados Unidos retomara o trabalho que deixara inacabado nos finais dos anos 70, perpetrando novos massacres em Timor-Leste. Apesar disso, o Holocausto varreu-se da memória da administração Clinton, que consentiu o banho de sangue. Como explicou um diplomata ocidental, «A Indonésia conta, Timor-Leste não. (...)"
Norman Finkelstein
(Norman Filkelstein nasceu em Brooklyn, Nova Iorque, em 1953. É filho de pais sobreviventes do gueto de Varsóvia)
Parabéns pelo Blog.
http://wwwbragablog.blogspot.com
Uma imagem lúcida de certos comportamentos e de dualidade política dos Estados Unidos da América.
Importante, porque parte de um americano judeu e que por norma muito conservador em relação às más políticas do seu país e Israel.
Caro Sérgio
Muito obrigado. Retribuo o elogio. Já adicionei o Bragablog aos aquedutos.
Cumprimentos
Caro Marco
Norman Finkelstein é um crítico da política israelita no que concerne ao conflito israelo-árabe e afirma que o Holocausto está a ser explorado para fins políticos pro-israelitas. Um livro muito interessante.
Cumprimentos
BMM
Infelizmente o Holocausto está a ser utilizado para fins menos condizentes com este vergonhoso drama humano. Normalmente, por aqueles que mais deveriam "proteger" da sua exploração.
Mas o Holocausto também tem sofrido de uma "ortodoxia" de protecção.
Felizmente existem outros grandes pensadores e activistas com as mesmas características do Finkelstein (exº: Chomsky).
Cumprimentos.
São dois grandes pensadores.
BMM