Lusco-Fisco
Nos últimos 3, 4 anos a administração fiscal lançou uma empreitada messiânica - acabar com a fuga ao fisco!
Independentemente da opinião que tenhamos sobre o desígnio em si, há uma pergunta que surge com insistência na minha pobre consciência, Porquê?
Ora, como é óbvio, a resposta que cada um de nós der a esta questão definir-nos-á enquanto cidadãos. É que o nosso nível de "awareness" cívico está intimamente ligado ao propósito que vislumbramos nas medidas políticas, sejam elas quais forem, venham elas de que partidos vierem.
O bom do cidadão comum, também apelidado de "homem médio", verá aqui um projecto nobre, no sentido da moralização dos cidadãos, entenderá esta empreitada como justa, até porque, aparentemente, ela é dirigida aos que podem fugir, vulgo ricos.
Mas todos nós sabemos que os governos não pregam moral, nem tão pouco cobram rezas.
O que de facto se passou foi uma violenta e arrebatadora missão cujo alvo era compreensível, mas em que os meios empregues e as finalidades servidas são condenáveis.
Simplificando (porque isto de posts longos afasta o leitor), durante 4 anos a administração fiscal cometeu variados atropelos, desde penhoras de contas em montante superior ao das dívidas, passando por cobranças de dívidas fiscais caducadas, até às execuções em que se atropelavam os mais básicos direitos dos contribuintes. Tudo valeu nesta luta pela "eficácia".
Mas, chegados que estamos aos dias de hoje, em que o próprio ministro admite os exageros e promete rever a metodologia, a pergunta mantém-se. Contudo a resposta, essa, está hoje clara. O défice foi a santíssima trindade da administração fiscal, não foi o incremento da consciência cívica, não foi o melhor funcionamento do Estado, nem ainda a efectivação da justiça social. Foi só o défice.
E o que mais me custa neste processo é que nos tomem por burros e nos venham dizer que, de facto, houve atropelos e que vão mudar de atitude. Parece que de repente se aperceberam do óbvio, quando há já anos que a administração fiscal pratica um terrorismo fiscal ostensivo. E agora porquê? Porque se atingiu o défice desejado, porque já não há mais direitos a atacar, porque, numa palavra, se esgotou a escala do despotismo. O comportamento de Teixeira dos Santos faz lembrar os "monarcas iluminados" que esvaziavam os bolsos dos seus súbditos até ao tutano e, sentindo a revolta social, ou a inexistência de recursos suficientes ao incremento dos tributos, vinham anunciar, quais falsos bons samaritanos, o final do período de emergência.
Oh meu caro João não posso estar em mais desacordo contigo...
Num país onde a fuga ao fisco é um problema gravíssimo há anos, onde quem paga impostos são os do costume, onde se é gozado por não se fugir impostos, achas que erros que a administração fiscal tenha cometido em alguns casos, são razão para arrasar com palavras a administração fiscal, como fizeste aqui?
Mais a mais, o pobre do contribuinte que não o é, o tal pobrezinho, coitadinho, que foge aos impostos por tudo o que é meio, tem sempre os tribunais fiscais para fazer valer o seu direito, ou terão sido estes também engolidos pela voracidade da máquina fiscal?
Meu caro João, a fuga aos impostos em Portugal, quanto a mim, é causa de uma iniquidade enorme, e é causa das prestações sociais serem distribuídas a muitos que a elas não teriam direito, e a que andem sempre os mesmos a pagar o Estado.
Não há Estado sem impostos (esta concepção de Estado pelo menos), pagá-los é uma obrigação legal e acima de tudo um dever de cidadania e solidariedade nacional.
Embarcar no sound-bite que se gerou à volta da máquina fiscal parece-me muito pouco razoável e contrário ao que se devia pugnar, que é punir severamente esses portugueses que se vangloriam de não pagar impostos mas que gostam de usufruir dos serviços públicos como se para eles contribuissem.
Alberto Fernandes
P.s. - "declaração de interesses": não trabalho nem nunca trabalhei na administração fiscal, não sou parente do actual ou anterior ministro das finanças e ainda não pago impostos porque ainda não tenho trabalho remunerado.
Os meus "sound-bites" como lhe chamas são ecos de figuras tão insuspeitas (quanto a mim) como Nascimento Rodrigues, Provedor de Justiça. Não me parece que seja do interesse do mesmo embarcar nessa cruzada "injusta" anti-fisco.
Mais, se há aqui populismo é o de colocar esta questão como uma luta de classes, pobres vs. ricos.
E, como bem sabes, o pobre não recorre ao tribunal fiscal, não sabe que ele existe e tem medo de se dirigir a um advogado pelo receio de o não poder pagar.
Os fins não justificam todos os meios e mantenho tudo o que escrevi. O estado exerceu ilegalmente a sua autoridade em várias ocasiões, sonegando direitos básicos aos cidadãos. Prova disso é que é o próprio Ministério das Finanças a reconhecê-lo, sendo por demais evidente a má-fé com que o faz, num timing eleitoralista.
Eu não arrasei a máquina fiscal, arrasei a sua prepotência. Sou, como qualquer cidadão comum, pelo cumprimento das regras do jogo, incluindo as fiscais. Não posso é abstrair o Estado dessas regras e, por saber que há a injustiça x,y ou z, tudo lhe permitir impávido e sereno.
Cidadania é também exercer diariamente o controlo sobre a correcta actuação do Estado, tanto mais que este detém privilégios de autoridade que nenhum outro membro da sociedade possui.
P.S.: Não podemos (felizmente) estar sempre de acordo!
Depois de ler o teu comentário ao meu comentário, continuo a manter tudo o que disse, até porque não vejo nenhum contra-argumento da tua parte.
Eu também concordo que os fins não justificam os meios, que o Provedor será uma pessoa insuspeita, e que o Estado não deve abusar dos especiais poderes que detém, pois detém esses mesmos poderes porque lhes foram outurgados pelos cidadãos e em nome desses mesmos cidadãos, ou seja, em nome do bem comum.
Falaste em guerra de classes. Eu não falei, mas se com isso queres dizer que há um fosso cada vez maior entre ricos e pobres em Portugal (estatísticas várias o dizem a cada passo citadas na imprensa), e há uma classe média cada vez mais depauperada, se é isso que queres dizer, esse é de facto o meu ponto.
É a classe média portuguesa que paga sempre as crises, que paga sempre os impostos.
Os pobres, os realmente pobres (e não os pobres na declaração de IRS mas com largo património não declarado) não podem pagar quantias elevadas de impostos, nem têm património para as finanças penhorarem na sua sanha persecutória de que se fala. Qual o objectivo de perseguir os pobres "a sério", se estes não têm onde cair mortos? Que vai essa terrível administração fiscal, obececada pelo vil metal, amealhar de pessoas que não têm nada de seu?
Pelo contrário, essas outras pessoas que fazem da fuga aos impostos modo de vida cívica têm património e se forem indevidamente incomodadas pela adm. fiscal podem bem pagar a um advogado.
Mais a mais, antes de se recorrer ao tribunal, em princípio, pode-se efectuar uma reclamação graciosa na própria administração.
Nota, não digo que não tenham sido cometido erros, algo que é normal em qualquer parte do mundo e numa máquina administrativa de grande dimensão, o que acho é que realmente se está a fazer disto um sound-bite, quando se trata de matéria extremamente delicada em Portugal, e dever-se-ia tratar deste tema com mais seriedade e pedagogia.
Eu não digo que o Provedor está a fazer sound-bite, mas outros sim, apoiados nas suas conclusões, que desconheço no conteúdo e no número de casos analisados.
E o que é certo é que ainda ninguém me soube referir um caso concreto das tais monstruosidades da adm. fiscal.
Sou, como é óbvio, a favor do cumprimento da lei e de uma administração que não seja hostil para com os cidadãos, mas em matéria de impostos acho que já há demasiados "incentivos" a um sentimento de não pagamento de impostos e à sua impunidade.
Referi no primeiro comentário a questão da grande iniquidade que isso traz para a vida em sociedade e se um dia vier a acontecer aquilo que o General Garcia Leandro referiu há uns dias, de certeza que esta é uma das razões mais fortes.