Obigado! Mas não, obrigado!!
By Nuno Ramalho
on sexta-feira, 5 de dezembro de 2008
19:20
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Se fossem eles a ter a pistola apontada à nuca talvez fosse diferente
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2 Comments
Mal sabia eu o que ia ser n(d)esta vida e já ouvia falar de violência doméstica. A principio até pensava que era qualquer coisa que envolvia o arremesso de electrodomésticos...
Com a minha experiência profissional, entrei, como interveniente acessório mas necessário (leia-se fundamental), neste mundo.
Já vi bastantes versões: A mulher que leva mas quer perdoar porque o marido sai à mãe que também é violenta; o homem que acha que enquanto a mulher lhe chama cabrão e FDP está tudo bem, agora quando lhe crava as unhas nas costas e na cara já não acha muito bem; a mulher que é perseguida e enxovalhada publicamente todos os dias; o homem que apanhou com a vassoura até ela partir; etc etc etc etc etc etc..........
Ter tornado este crime um crime público, sem possibilidade de desistência de queixa por parte da(o) ofendida(o), e sendo de conhecimento oficioso, não sendo necessária a anteriormente essencial denúncia / participação criminal, pareceu ser o bastante.
A prática mostrou-me claramente o contrário. A desistência de queixa é possivel em praticamente todos os casos. E porquê? Porque o Ministério Público acha por bem acusar estes inocentes até prova em contrário pelo crime de Ofensa à Integridade Física (simples ou qualificada) e não pelo crime de violência doméstica. Já intervi no caso incrivel de, ao mesmo tempo, os dois cônjuges serem arguido e ofendido... E com isto já a vítima pode desistir. E desiste quase sempre! E porquê? Porque o M.P. chega ao cúmulo de convocar a vítima para outros actos (como por exemplo uma acareação) e enfia lá para o meio a cantiga do " Vá lá desista, já viu as complicações? E o drama de um Julgamento?" Ou, como eu já ouvi da boca de UMA jovem Juiz: "Estas questões deveriam ser resolvidas no seio da família e não em Tribunal" e absolve o arguido!!!!!!!!!!!!!!! É claro que, assim, tem-se até à audiência de julgamento para obter uma desistência.
E depois também temos de contar com a completa falta de sensibilidade dos agentes judiciais. Estes processos têm de ser urgentes, não há volta a dar! Passar 2, 3 meses em inquérito?? Atribuir o simples Termo de Identidade e Residência como medida de coacção ao invés da essencial Proibição de Contactos?? Ter Audiência marcada e, no próprio dia, apesar de ser claro o perigo de vida que a vítima corre, adiar o julgamento para daí a 4 MESES?????????
Como é que nós (defensores) explicamos isto? Somos nós que damos a cara e o corpo às balas pelo Sistema Judicial!
O que é que se responde a uma mulher que nos pergunta: E agora Sr. Dr.? Vou esperar quanto tempo por uma decisão? Até ele(a) me matar? Vai ser aí que vou conseguir descanso na minha vida?
E como se explica que, com 99% de certeza, apanha pena de multa ou pena de prisão suspensa na sua execução?? Como se justifica isto??
Obrigado pelo esforço, mas assim, com este sistema, não, muito obrigado!!
é uma vergonha! infelizmente ainda existe muito a lógica: "entre marido e mulher ninguém mete a colher", é um absurdo!
De facto, defender vítimas de VD (violência doméstica) é um trabalho penoso e, na maioria dos casos, frustrante, pelas razões que evocou. A tipifacação do crime pouco veio alterar o estado de coisas, embora tenha contribuído para dar maior visibilidade ao fenómeno (até porque o anterior crime de "maus-tratos" já era crime público; o problema reside na qualificação dos factos, como referiu o Nuno e muito bem, agravado pela dificuldade de demonstrar, na fase de inquérito, a reiteração da actividade criminosa) e os agressores movimentam-se com a maior das à vontades num sistema judicial que sabem, à partida, que não os irá punir. Na prática, o que acontece é que a vítima, quando finalmente decide dar o primeiro passo e parte à procura de ajuda para o seu problema, só vai encontrar obstáculos. E deixe-me só acrescentar algo ainda mais triste ao retrato negro que traçou, Nuno, pois há muita gente neste país a viver da VD e a fazer dela um negócio. Estou a falar concretamente de associações que vêm para as televisões prometer soluções às vítimas que, na realidade, não possuem. Enganar uma vítima de violência conjugal com falsas expectativas, isso, então, é que representa a verdadeira machadada final.