Divinização do humano e humanização do divino...


Confesso que hoje não tinha a intenção de escrever, no entanto o protagonismo dado pelo Dr. Etcétera ao meu comentário sobre o soneto “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, impeliu-me a escrever sobre Camões. Não se tratou, evidentemente, de um impulso de passatempo ou vaidade, mas de pura e simples vontade de escrever sobre um dos poetas que mais admiro, que leio e releio com deleitosa devoção literária.

Não vou aproveitar para recordá-lo como exemplo paradigmático do alto reconhecimento post mortem, nem como autor de belos sonetos, vilancetes, odes ou elegias. Tampouco vou centrar-me no facto de ter sido o único poeta português a dar corpo a uma epopeia nacional, celebradora dos “peitos ilustres lusitanos”, que cobrem de heroísmo e tenacidade o nosso passado histórico.

Vou deter-me naquele que é, a meu a ver, um dos aspectos mais fascinantes e significativos d’ Os Lusíadas: a superiorização de Vasco da Gama ao próprio Cristo! Na verdade, este é um aspecto escassamente conhecido, apesar da extrema relevância que adquire, não só no universo da obra, como também no contexto social e cultural da época.

É no canto IV, estância 80, que Camões dá a mais elevada expressão ao ideal renascentista de concepção do “Homem como a medida de todas as coisas”. De facto, um apoteótico evidenciar da passagem da mentalidade teocêntrica medieval, à visão antropocêntrica do mundo, fundada na crença optimista nas capacidades e no valor do ser humano.É no último verso que se consuma a inequívoca superiorização do capitão da armada portuguesa a Cristo, através da seguinte afirmação: “Por vós, ó Rei, o espírito e carne é pronta.” Neste contexto, a predisposição de Vasco da Gama para aceitar o sofrimento é, então, superior à disponibilidade manifestada por Cristo, no Monte das Oliveiras, quando, segundo S. Marcos, pronunciou: “O espírito está pronto, mas a carne é fraca.” Vasco da Gama assume-se totalmente disponível, no corpo e no espírito, para aceitar o sacrifício da sua vida, em nome da pátria, ao contrário de Cristo, que denota um humano e pouco divino apego ao universo terreno…

5 Response to "Divinização do humano e humanização do divino..."

  1. Unknown says:

    Também escreves "tampouco"! És do Sporting? :-)

    Escrevo "tampouco", mas sou do PWOOORTO! :)

    O Dr. Etcétera anda desatento.

    S. G. says:

    ainda por cima é do porto...

    :)

    Unknown says:

    Ok, eu consigo negligenciar esse ponto menos abonatório da tua pessoa.

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