Poema de Camões: Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
Maneirista por excelência, esta é uma das composições poéticas camonianas rasgadas pela intemporalidade.
O conceito de mundo desconcertado, neste poema associado ao tema da mudança, dá-nos conta de uma mundividência surpreendentemente actual.
De facto, a visão de um mundo contraditório e problemático, dominado pela ânsia de negar-se e refazer-se, parece perpetuada.