A espantosa noite do teu rosto



Gosto de acreditar que noutros tempos talvez tivesse vivido como um aventureiro, como os homens tristes de barba rija que viajam mar adentro levando as mensagens de porto em porto. Gosto de acreditar que enriqueci aí; fodendo corpos que boiavam em tempos remotos, rezando aos ecos de um deus que pernoita sobre todas as fomes terríveis, chorando os estalos de um coração que precisava de alguém que o tocasse. Gosto de acreditar que aí, as tempestades me eram indiferentes, e que na minha respiração pousavam as sirenes de gritos rasgados de coragem. Nada de aflições, de noites perdidas ou de pequenos suicídios. Gosto de acreditar que nesses outros tempos engolia a púrpura do ar e sabia o que era estar vivo, sabia o que era sentir um arrepio, uma vertigem, o pavor de ver a tua voz silenciada em sangue. Hoje, tudo dorme como fotografia congelada, sorriso que imagino no escuro dos quartos em que nos conhecemos. Hoje, conheço os desastres da felicidade que me enchem o coração de saudade e ausência de tudo o que me aterrorizou.

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