Conhecemo-nos na faculdade. Com o passar dos anos fomos resistindo à cada vez mais estimável hipótese de mudar de curso. As perspectivas eram cada vez piores. Padecemos, creio eu, de uma qualquer perturbação que não nos permitiu distinguir entre o real e os simulacros. Muitos outros foram mais lúcidos na sua abordagem ao medo. Acabámos o curso. Ele com uma média de 18 valores. É, ainda existem. E está em vias de defender uma tese de mestrado sobre Herberto Helder. Bom, fiquei hoje a saber que esse amigo desistiu de esperar. Cansou-se de esperar. Arranjou emprego num qualquer escritório a ganhar 550 euros. Não vai aceitar qualquer colocação que por milagre lhe surja. É justo, digo eu. Enquanto isso, o nosso sistema continua impregnado de incompetentes analfabetizados que progridem na carreira apenas porque sim. Apenas porque marcam presença. Qual bom escuteiro sempre pronto para o felácio em nome da crença. Dizia-me ele que também já não sentia "orgulho em ser professor" e que está "farto de ficções". É justo. Concordo. O ensino tornou-se num lugar de pavor cénico do qual também me pretendo afastar. E dói. Dói muito. Como ele, sempre metódico e avisado, disse "daqui a uns anos, quando não houver professores, talvez percebam os erros que estão a ser cometidos". Daqui a uns anos estaremos certamente felizes numa qualquer actividade. Ou talvez não. Não importa também. Importa, antes, dizer que no fundo, e em pausada respiração, devo agradecer até tudo aquilo que tem sido feito no sistema de ensino. Sim, honestamente, quero agradecer por não me autorizarem a pertencer a um antro de anorexia intelectual onde vingam os medíocres. Aqui fica o registo de um esmero que temo nunca ter agradecido devidamente.