A propósito do "argumento mais despropositado que já vi / li / ouvi sobre o tema"

Sou um tipo que sai cedo do trabalho por isso ainda consigo chegar a casa a horas de ouvir o "frente-a-frente" no Jornal das 9 da Sic Noticias.
Diálogo de ontem, estando a Helena Roseta pela "esquerda" e um fulano qualquer pela "direita", com o Grande Mário Crespo a moderar:
Helena Roseta: "(...) porque o casamento entre pessoas do mesmo sexo tem de ser autorizado. Pela lei todos somos iguais pelo que todos têm o direito a casar" (utilizando o argumento mais comum deste corrente de opinião, baseando-se numa interpretação do artigo 13º, números 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa)
Mário Crespo: "Certo. Então terá de concordar que, se todos têm o direito a casar, então a senhora será obrigada a admitir que se autorize também o casamento poligâmico"
Helena Roseta: "Não Mário, porque desde os Gregos que o Casamento é apenas entre duas pessoas e não três ou quatro"
Nuno Ramalho: "Pois, mas talvez desde os gregos o casamento seja entre pessoas de sexo diferente"
É claro que alguns poderão considerar (como consideraram) esta questão "despropositada" quando fui eu a colocá-la. Talvez agora tenha mais razão de ser... É que interpretações da Lei Constitucional há muitas, como os chapéus...
E os argumentos por vezes caem, como a fruta demasiado madura...

7 Response to "A propósito do "argumento mais despropositado que já vi / li / ouvi sobre o tema""

  1. por mim tb podem avançar para essa da poligamia. é como digo, cada um tem direito de fazer o que entender desde que não prejudique os restantes...

    agora desejo-te boa sorte para a procura de 2 mulheres que aceitem isso!! ;)

    Enquanto não entenderes (ou não entender, como preferir/es) que estas questões não se restringem a leis e a livros de direito, que são muito mais do que isso, nunca vou conseguir fazer-te entender o meu ponto de vista.

    Para mim a questão é muito simples, a união entre duas pessoas do mesmo sexo (homossexual, portanto) é socialmente aceite como normal/natural ou, ao menos, como manifestação do direito ao desenvolvimento da personalidade, ou não? Se respondermos afirmativamente, como é o meu caso e o da maioria da comunidade científica (com especial enfoque para a comunidade psiquiátrica), qualquer pessoa tem o direito a expressar a sua sexualidade, seja ela qual for. Se assim é, não pode haver argumentos que considerem esse comportamento como atentatório da vida em sociedade, pois se o aceitamos, se o não condenamos, é porque consideramos que ele não colide como os nossos direitos. Ora, aceitando esta posição, só podemos aceitar que a união civil, que conhecemos como casamento, não tem que discriminar cidadãos de 1.ª e de 2.ª. A lei, não obstante a sua componente histórica, não pode continuar a criar cisões onde elas não existem, se aceitarmos, como já disse, que a homossexualidade é uma manifestação normal/natural da sexualidade humana. Para mim, a homossexualidade é natural, ainda que possa não ser maioritária e não passa pela cabeça de ninguém penalizar quem pratique actos homossexuais, penso eu.

    Mas isto leva-nos mais longe, se aceitamos como natural a homossexualidade, então não teremos problemas de maior em aceitar que um instituto civil (do Estado, que regula relações entre pessoas) se aplique a todos os cidadãos por igual, o casamento católico que se regule pelas normas canónicas. Nem teremos problemas com a manifestação da sexualidade em público. Então, se a homossexualidade é natural, se lhe permitimos a mesma dignidade com que consideramos a heterossexualidade, não faz sentido que existam quaisquer restrições ao pleno exercício de um direito, estou a falar claro da adopção.

    Não faz sentido a lei dizer casem-se à vontade, mas não podem adoptar criancinhas porque dá cabo do desenvolvimento harmonioso das mesmas. Como é? Amem-se e casem-se mas escondam-se em casa para não perturbarem os jovenzinhos?! Falta a figura paternal/maternal? E os lares mono-parentais são ilegais???

    Quando assumimos que é de dum direito fundamental que se trata, então temos que lhe conceder toda a dignidade.

    Quanto à poligamia, não me parece que faça parte do processo actual de evolução da sociedade considerar essa prática como normal/natural, nem sequer minoritariamente. Pelo menos no âmbito do enquadramento legal do casamento. Essa sim põe em causa o instituto do casamento, porque se baseia em promiscuidades que atentam contra a estabilidade do casamento, algo que deve ser protegido e que, se assim não fosse, poria em causa a sustentabilidade do instituto.
    O que o Estado diz não é que uma pessoa não se pode casar com muitas, como já o faz a igreja, o que diz é que não o pode fazer ao mesmo tempo e isso faz toda a diferença.

    Anónimo says:

    "Essa sim põe em causa o instituto do casamento, porque se baseia em promiscuidades que atentam contra a estabilidade do casamento, algo que deve ser protegido e que, se assim não fosse, poria em causa a sustentabilidade do instituto."

    Caro João Marques,
    Como sabe, há sociedades/culturas onde a poligamia existe e é perfeitamente legal desde há muitos e muitos anos. Tal como há sociedades/culturas onde o casamento entre pessoas do mesmo sexo existe e é perfeitamente legal.
    Cumprimentos.

    Anónimo says:

    Só mais um pormenor: não consta que a poligamia nessas sociedades leve a promiscuidades que põem em causa a estabilidade do instituto do casamento. Se não, por certo que já teria sido proibida.

    Sim, caro Pedro Gomes, mas aí estamos a falar de culturas completamente diferentes, em que a ordem normativa, que necessariamente reflecte a ordem axiológica, reflecte um entendimento da vida e dos institutos que a compõem completamente distinta da ocidental. E nem os exemplos de religiões como os Mormon colhem, até porque nos EUA as uniões poligâmicas tendem a desaparecer, instituído que está o princípio de que o casamento é um instituto que diz respeito à união entre duas pessoas, com efeitos legais entre elas e mais nenhuma.

    Não é, pois, intelectualmente honesto julgar os paradigmas culturais divergentes pela mesma batuta. Em muitos desses países é aceitável sentenciar uma mulher à morte por apedrejamento e não é por aí que se põe em causa o sistema penal local. Não nos passa pela cabeça é aceitar para nós uma tal situação.

    Anónimo says:

    Caro João,
    Parece-me que o importante aqui é saber qual a concepção que temos (no Ocidente) do que é um casamento. E se é verdade que a poligamia já não consta da nossa memória colectiva (se é que alguma vez existiu), a verdade é que também não consta que o casamento homossexual alguma vez tenha feito parte dessa concepção. Como sabe, esta questão é muito, muito recente.
    Agora o que eu acho (e não quero dizer que concordo, porque não concordo mesmo) é que no limite podemos questionar todos os princípios que regem o instituto do casamento, não apenas o sexo das partes, mas também o número dos envolvidos.

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