auto-parasitados

Luto para perceber. Juro que luto para perceber. Uns mais do a que outros. Porque me interessam uns mais do que a outros. Creio que é pelo facto de levarem constantes tampas da vida. A vida inteira a dar-lhes nos cornos. Porque são jovens. Impostas referências para a paternidade. Jovens-adultos, de aprumada aparência e de grandiloquente potencial. E ambicionam. O fato limpo, a gravata ajeitada. "Bom-dia, Dr.". Um sorriso nos lábios. São notáveis. E afagam o espírito nos banquetes pródigos assumidos pela empresa. E são felizes. Carro trocado de 4 em 4 anos. A casa. Com espaço. Larga. Para que a mulher fique longe e os putos possam gritar mais aos vizinhos do que a eles próprios. E são felizes. As férias no estrangeiro. Bem atendidos. Bem tratados. A boca limpa, as costas coçadas. Porque o dinheiro importa. Digam o que disserem. E só os tolos não o vêem. Pensam rápido. Quase sempre. Principalmente quando têm que se justificar. Ou então quando gostam de moer o juízo de quem segue vidas diferentes. É, isso, pensam rápido quando tentam moer juízo alheio. E são donos de tudo. Sapientes de uma ignorância que os atrela à mediocridade. Futuros pais de sofá. A reviver um passado que nunca existiu. Uma alegria que nunca chegou a ser, na verdade. E fabulam-se. E imaginam-se noutras vidas. Nesse passado. Quem não foram. O que nunca fizeram. O brilho nos olhos que aprendem a construir. O tempo deles que nunca foi. E são amargurados. De uma desilusão auto-comiserada. Não gostam de si próprios. Enfeitam-se. Adornam-se. Porque têm que ser bonitos. E iguais. No lânguido conforto de uma qualquer maioria. E ficam de fora a assistir de plateia, a ver quando é que o circo pega fogo. De dedo em riste. Porque há coisas que não se dão umas com as outras. E eles sabem disso. Dizem. A vida geometricamente desenhada, os sentimentos emoldurados. As setas no coração dos outros devidamente agasalhadas e civilizadas. Com licença, menina, posso dizer-lhe que faríamos um belo projecto de vida juntos? E tudo são esquemas. Previsões, planos traçados e meticulosamente definidos. E nunca lhes digo nada. Nem mesmo quando os resultados são escassos. Para ser generoso. Sinceramente, de que adianta complicar a nossa vida questionando sempre a dos outros? Eu não me importo que haja quem viva para os epitáfios. Será de igual modo justo que eu não tenha direito a um. E que nada queira fazer para o ter. Digo eu, claro! Enquanto isso, a vida são pinceladas esbatidas, alegrias fugazes, vontades contraídas, insípidas realidades... São ligeirinhos. De pés de barro firmes na terra. Mas um ligeirinho não consegue mais do que debitar vulgaridades, seja sobre o Darfur, seja sobre si próprio, o que é bastante mais grave, porque é circular. E vivem no mundo do não. Para eles a negação de uma opinião contrária à sua é, por si só, e já de si uma opinião. Têm uma opinião entupida de tudo. E da sua própria mundividência, principalmente. Para eles ser é apenas uma casualidade, embora não o saibam. Ou não o admitam. E julgam-se por definições, é claro, sobretudo em termos de poderem vir a fazer parte duma enciclopédia, mesmo que pequenina. E é tanto o frémito de maldizer que às vezes julgo que me querem fazer-me a folha, olha se não?! E eu até nem importaria, confesso! Tenho pouco apego a quase tudo. Até a mim. O que me rio de mim, pá! Quando caio, quando perco, quando não sei o que fazer! O que me rio de mim, quando tenho medo. O que me rio de mim, quando por mais de que uma vez nada faço para alimentar a minha linhagem. Enquanto isso, mantenho a mesma expressão. Longe daqueles que ostentam uma expressão que varia entre a pose imbecil e o permanentemente acossado. Ninguém vos quer mal. Honestamente. A bonomia pode ser uma virtude. Talvez um dia isso se prove, quem sabe. Ainda que creia que podemos rir. De nós próprios. O suficiente apenas para que não nos tornemos uns cabrões insuportáveis. O suficiente para sabermos que podemos fazer o que quisermos e que o que os outros dizem pode, quanto muito, servir de alerta e/ou estímulo. Nada mais. Agarrar as rédeas, dentro das nossas limitações. E deixemos de lado os habituais suores por cima das beiças finas de trabalhador laborioso. Que tal um respirar fundo, e deixar que as pernas estendidas durante a tarde de um dia de semana numa qualquer praia nos mostre que a vida ainda pode ser mais do que um monte de organigramas normativos?! Que tal chegar ao final do dia, e não ter a estranha impressão de que tinha estado a "pastar" em prados secos? Que tal, um dia, quando chegar a altura, e se tivermos a sorte de o percebermos, podermos chorar todas as dores do mundo, lamentando o que já não vamos fazer. Apenas isso. Será bem melhor do que sentir o frio dentro do corpo e nem sequer sorrir: pensar apenas que a vida foi uma missão cumprida, e que por isso merece apenas singelo e cordato registo.

4 Response to "auto-parasitados"

  1. Anónimo says:

    estás com inveja de quem??????
    Talvez sintas desconsolo somente por saber que apesar de não viveres a vida com um mapa na mão, percebes que olhas para trás e nada resta para contar ou lamentar.

    Auto-parasitado

    Unknown says:

    Acredita que me sinto lisonjeado por andares sempre a pensar em mim, mas lamentavelmente isto não foi escrito a pensar em ti. A sério. Até porque, aqui, falo por norma de quem não gosto.

    Anónimo says:

    Olha que caralho! Só agora é que li os comentários ao outro post! Então, ali também estava a falar de ti? É isso? Que puta de implicância é esta, meu? Foda-se que há merdas que me ultrapassam MESMO... Espero honestamente que estejas a gozar, e que seja eu que não csg vislumbrar isso... Se bem que como me disseste que ficaste fodido com aquela merda do "Jaime Pacheco" tenho alguma dificuldade em acreditar que assim seja... Para mim, vou dar como certo que andas em dias maus, e o assunto pela minha parte morre aqui.

    Dr. Etc.

    Anónimo says:

    Não penses que me revi em alguma frase que escreveste neste post (quer dizer, talvez em algumas linhas...).
    Mas digo-te que fico contente por começares a ripostar com o nível que nos havias habituado.
    Não te preocupes com as minhas intenções, sabes bem que o "Jaime Pacheco" te ama.

    Abraço.
    P.

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