fontes de inspiração
considerações metafísicas de um esteta diletante
.
" mais do que uma incerta cobardia latente de encarar a verdade olhos nos olhos, isto é, que estamos inapelavelmente sozinhos no mundo - nascemos sozinhos, vivemos sozinhos e morremos sozinhos, por mais pessoas e sentimentos que nos rodeiem, amparem, iluminem nesta escuridão existencial, a escuridão da nossa perenidade, mortalidade, inconsequência temporal [...]"
" mais do que uma incerta cobardia latente de encarar a verdade olhos nos olhos, isto é, que estamos inapelavelmente sozinhos no mundo - nascemos sozinhos, vivemos sozinhos e morremos sozinhos, por mais pessoas e sentimentos que nos rodeiem, amparem, iluminem nesta escuridão existencial, a escuridão da nossa perenidade, mortalidade, inconsequência temporal [...]"
.
quando procuro escrever sobre brasas realistas, algo que ainda não afinei muito bem porque há muito que me abstenho de confrontar as minhas angustias com os factos reais - procurando mais na ficção uma confrontação subreptícia, ludibriando o sub-consciente de forma sistemática- arrisco de certa maneira passar um discurso que não é coerente, ou não é bem afirmado, ou tem falhas argumentativas, ou enfim e quanto muito, nem sequer o sinto meu. isto não é um problema, na verdade é lidar com a realidade como se ela não fosse importante. o problema da morte é um dos que atormenta muita gente, e eu não sou excepção.
.
hoje queria falar da morte de uma perspectiva muito clara, os últimos dias da vida de um homem. de algum modo estaremos sozinhos no nosso consciente e ninguém nos poderá acompanhar no último suspiro. estaremos despertos o suficiente para perceber o fim de tudo o que se construiu como eterno, os dias que nascem nos relógios, estaremos de olhos abertos e que sentiremos nós no eclipse lento dos orgãos vitais? que agonia se irá apoderar dos tecidos necrófilos antes da síncope fatal?
.
[a realidade de que vos queria falar é a de um quarto asséptico, riscado pelo tempo e pelo arrastar das doenças nas paredes. e de um homem que em três dias desistiu de se manter ligado ao cosmos e à terrena existência. o sr. antónio foi acometido pelo início da falência letal dos rins, e depois tudo o resto descamba lentamente, até a respiração se tornar difícil, assistida, o fígado já não vai depurar medicação, e por fim o coração parará. a questão é que vemos a vida nos olhos desta gente e pensamos que há uma luz que não se apagará, tal como em todas as pessoas que gostamos. vemos os esforços e a dedicação para que se melhore o estado geral da saúde, mas também começamos a perceber os nossos próprios limites]
.
depois há a possibilidade de nos tornarmos demasiado obcecados com essa limitação. acredito que a relativização dos grandes problemas é a solução para uma vida menos carregada com o medo do fim. se não vejamos o que o nosso caríssimo comparsa disse há dias neste blog, "[...] Que tal, um dia, quando chegar a altura, e se tivermos a sorte de o percebermos, podermos chorar todas as dores do mundo, lamentando o que já não vamos fazer. Apenas isso. Será bem melhor do que sentir o frio dentro do corpo e nem sequer sorrir: pensar apenas que a vida foi uma missão cumprida, e que por isso merece apenas singelo e cordato registo. "
.
quero acreditar que a realidade se encarregará de nos mostrar que o tempo que ainda nos medeia do fim, é o exacto e o necessário para tudo o que ainda precisamos de viver. a vertente metafísica [não a da discussão da alma e do céu] irá completar-nos com a saciedade das vivências, bastando contudo que estejamos confortáveis e acreditemos numa alegria esponjosa, numa realidade sumarenta que tem todos os ingredientes necessários.
.
[o sr. antónio faleceu às 3h30, na cama 3 do sétimo quarto]
.
esta é a crónica da semana anterior que ficou por publicar
Pois, o homem (mulher também) lida mal com a própria ideia de morte e teme o sofrimento que esta lhe possa causar...
Beijoca!