heisenberg e uma fera injectável: a incerteza (e um pequeno e final bónus)



Vi este filme cinco vezes durante 2008. Nada de anormal para quem repetidamente vive das mesmas palavras já soterradas, numa prisão de vida em que a única matéria de real importância provem das metáforas violentas que são tema de livros. E é neste viático quotidiano de gritos claros na sua mudez e no seu peso de fervor total que vou deixando que os aspectos mais contraditórios da vida sejam igualmente a minha total solidão. Como se continuadamente esperasse que o tempo se despisse de toda a anedota. Não quero uma vida lisa e organizada. O dinheiro será sempre à justa e as golas que me tapam o pescoço são as mesmas há muito tempo. As solas vão perdendo fiabilidade. E as palavras já fizeram melhores frases. Honestamente nada disto me incomoda. Já há muito que percebi que nunca deixarei de oscilar entre certezas vãs. Penso que a vida, assim dizendo, o dia-a-dia, talvez, me amordaça vezes de mais com a sua desarmante mas bem armada candura. Neste ano que passou, mantive alguns traços que posso apresentar como perenes. Marcas que me acompanharão. Restos de tudo, sonhos de poeta e muita ternura rápida. Apurei a minha voz de recusa a uma realidade sem lugar para a simples vida, oferecendo-me cada vez mais a qualquer coisa de abandono, de patético, de angustioso e deixo brilhar todos os instantes de apelo a outras realidades. E vivo fora de mim. Homem deitado ao mar. E tudo o que faço tem sempre o entendimento de um qualquer espaço cósmico onde fabulo a minha realidade. Onde afirmo um cada vez mais essencial desejo de sair de mim, de existir no apelo e ao ritmo do mais puro delírio. Coração na neve e no espaço, já dizia Ramos Rosa. E mantenho este dogma: nunca diminuir o sonho. Por mais que nos roube à vida. Por mais que ilumine a solidão de conhecer o interminável silêncio. E é lá, na fugitiva liberdade de um sonho, que procuro a frescura de todos os nadas. E é despido de qualquer retórica que sinto isto. A caminho desfaço-me, pelo menos no plano do desejo, da própria tentação de quer ser tudo. Percebo dolorosamente que a infância fica necessariamente para trás. Ou que pelo menos não a posso cantar à luz dos dias. Percebo que as estrelas não são verdadeiras. Que nada representam na espessura da noite. Apenas no meu quarto, quando as luzes se fecham, o tempo é de amor, de lágrimas que não morrem, de pequenos exércitos sob os meus comandos. Apenas no meu quarto salvo o mundo, e conheço os templos perdidos de outros tempos. Apenas no meu quarto durmo no centro vazio de um mundo que espera sempre por mim. Ali a chuva molha-me e sol invade-me. Ali sinto o sabor acre do escuro, o sabor original de conhecer todos os surtos submersos num único sabor. Ali, naquele quarto fechado, eu sou tudo. Tudo o resto é fracasso. Ou pelo menos não-identificação. Um certo abandono, como se optasse quase sempre por parar a meio da vida. Como se soubesse que trocava tudo, agora mesmo, por conseguir sentir-me mais leve do que a minha própria sombra. Como se fosse possível renascer pela morte completa e total. E vivo rente ao dizer, no quase sentir, ao rés das coisas e quase aquém delas. Onde tudo é ausência, mesmo a presença mais renovada. E por isso faço intervalos de apelo. Intervalos de zelo. Este é um deles.

Provisoriamente, fim

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Pertence a um novo conceito que estou a desenvolver no âmbito de uma longa dissertação sobre o estudo da mulher na contemporaneidade. Os primeiros capítulos passam por fotografar milhares de cozinhas. Depois, dou azo a um certo arrojo. Este é um sumário exercício de poesia visual que se insere nessa abordagem. Chama-se "o lesbianismo no fundo são duas pirâmides a coçar a ponta uma da outra".

P.S.- Fazia pouco sentido deixar como último testemunho um texto todo pseudo.

7 Response to "heisenberg e uma fera injectável: a incerteza (e um pequeno e final bónus)"

  1. S. G. says:

    se vais com essa companhia agradável diz lá o que tenho de fazer para ir também :) é que assim ainda se arranja maneira de levarmos um portátil e continuarmos a escrever.

    o que precisas é de mão no pêlo. elas tardam, mas não falham.

    abraço

    (ps. vai-te foder com as tuas merdas. verificação ortográfica da adega - não é assim que vocês dizem?)

    Anónimo says:

    o melhor comentário q posso fazer é não insultar-te. se dissesse q compreendo e sinto cada linha (nda á la maradona) perderias todo a aura de mistérios e incompreensão que te envolve, por isso limito me a dizer q vi o filme mais vezes q tu. infelizmente já conheço a tua lenga-lenga e não te dou importância.
    exactamente, vai te foder com as tuas merdas :D
    beijinhos e abraços
    chouriça

    verificação de palavras - tosse (a sério. deve ter um sentido qq)

    Anónimo says:

    é não te insultar, obviamente.

    Tás armado em artista pop agora? Fazer interregnos na carreira?
    Vais escrever a solo, é?

    Qualquer dia fumas.

    Anónimo says:

    O ano começa realmente mal. Parece que os Gato sabiam do que estavam a falar. Primeiro o Atlântico, agora você... Dois miradouros privilegiados para quem aprecia boa escrita. Fica um abraço e um sentido obrigado de um leitor atento.

    Afonso Sousa

    Anónimo says:

    É como diz o SG: "queres é mimo..."

    Etc espero que isto não passe de mais um daqueles delírios que por vezes aparecem aqui neste blog, digo isto porque, embora não te conhecendo pessoalmente em carne e osso gosto de ler o que escreve e pelo que leio tenho montada uma imagem da tua pessoa digamos que és uma personagem do meu dia-a-dia, personagem que criei através daquilo que escreves.
    Muito sinceramente acho que se parares de escrever neste magnifico blog muito se vai perder, espero que reconsideres e que isto não passe de mais uma das tuas brincadeiras.

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