fontes de inspiração

as cidades e as terras

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V

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o parque urbano, o violino e o caneiro
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[escrevo-vos a partir da cidade onde deveria estar. não estou fisicamente, bem entendido. estou lá com toda a minha omnipresença. demasiado longe destas teclas. não me interpretem mal. é de lá que quero escrever porque assim o poder da imagem virtual assume proporções mais consentâneas com a beleza da cidade]
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não estou lá. por isso abri um livro esta noite [*], disposto a ler de uma ponta a outra e a procurar nele a solução para este problema. escrevinho apontamentos como se fosse possível enganar as esquinas daquelas ruas estreitas. como se a chuva fosse parar a qualquer momento e ao dissipar-se a névoa baixa e rasante, me aperceba que estive lá verdadeiramente o tempo todo.
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[visitar com vontade uma cidade é quebrar a regra básica dos dias, amarrar as sensações que se anunciam na arquitectura, esquecendo o relógio, esquecendo o dia, arqueando as sobrancelhas perante as novidades. não é que seja nova esta cidade para mim, mas há muito que a não via deste anfiteatro. está mais verde a água do lago, e o espelho dilacera a sombra com as ondulações com que o sol vai preenchendo o fim de tarde]
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o romance é fabuloso, de ritmo célere, convidativo, alucinado - não tanto ao jeito de borges como esta crónica começa a parecer -, mas vai colmatando o facto de eu estar aqui, longe da cidade onde deveria estar. arrisca um caminho tortuoso, onde se confunde o real e fantasioso, onde narrador e personagens são teleportados de diferentes países ao ritmo necessário da narrativa. quero crer que não me está a afectar os sentidos, e que não escreverei aqui nada que me faça duvidar da minha lucidez.
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[recordo porventura melhor o rio ave. hoje está mais limpo, um tanto ou quanto por minha culpa também, pois me empenho todos os dias para isso. há pescadores perto do caneiro (é um açude ali perto) e isso é a prova de que há vida de novo no rio. chego a invejar esta capacidade da natureza se regenerar tão rapidamente, tal é a minha vontade de arrancar tudo o que sinto e sei, tudo do que quero esquecer como certeza inabalável. estou de novo lá com toda a minha força imagética. que pena que cada um não possa estar onde quer realmente estar]
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o livro caminhou para o fim naturalmente. é fácil quando nos prendemos a ele, esperando castigar o corpo com horas a fio ligado a duras metáforas ou realidades complexas. os olhos a pesarem e eu a expurgar os meus males naqueles desenhos de uma áfrica inventada. estava convencido de que no fim estaria pago o meu pecado, o de não estar naquela cidade.
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[vou terminar a minha crónica na cidade onde deveria ter estado. prefiro terminar com o sol abrasador de junho, vestido a rigor para aquele dia. entrar de novo na igreja fria. respirar fundo a decrepitude das talhas douradas, a mistura entre incenso e cera derretida. é aí que os violinos estarão a soprar aos meus ouvidos o encanto cénico de uma cidade que não se pode sentir pela arte de rua, mas posso guardar no recanto fraco do meu coração.]
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(livro do mês de fevereiro deste estimado blog - leiam amigos, leiam que é uma pérola)
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releia ( I - II - III- IV - V)

4 Response to "fontes de inspiração"

  1. S. G. says:

    caríssimos,

    a cidade é st. tirso (só para quem for muito curioso com o pormenor)

    bruno,

    assim que puderes coloca este livro como a escolha ok?

    grande abraço

    Já está colocado.

    Abraço

    Teté says:

    Curioso, no mínimo!

    Mas a malta não se comove muito com pérolas literárias, romances, crimes e sexo, tudo ao molhe preferencialmente, torna-se mais atraente... Se for num campo de futebol, melhor ainda!

    Beijocas!

    S. G. says:

    olá teté,

    acho que os livros desconhecidos da maioria estão a ser enormes surpresas...não admira que assim seja. o mediatismo está a matar a qualidade literária.

    obrigado pelo teu comentário.

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