fontes de inspiração

prosa – o último recanto da fonte

a morte de casimiro bruto maior

I
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o padre hermenegildo ressonava no seu habitual tom do fim do almoço. o cheiro que empestava o ar, de certa força etílica abençoada, forçou uns quantos que entravam na sala, a um recuo estratégico, tão pouco habitual a quem se dedicava à serventia política. os homens que entravam pelas portadas reforçadas em chapa na madeira, e com fero nas dobradiças, eram os seguidores de casimiro bruto maior, ilustre homem da terra que se quedava num pranto lastimável e pouco recomendável de se anunciar ao povo.
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como é óbvio o padre hermenegildo apenas conseguiu perceber a gravidade da situação a meio da tarde, e a correria era tanta, que se chegou a temer não haver tempo suficiente para administrar a extrema unção ao grande casimiro. pelo caminho o padre ia conversando com manuel reveses, o fiel sacristão de há mais de duas décadas,
- será desta que se fina o d. casimiro, manuel?
- esperemos para obra do senhor que nada de mau lhe aconteça. pelo menos por hora monsenhor.
- já não sei. o velho estrebucha há três meses e não se vêm melhoras. por certo que felismina se prepara enterrar o corpo do pobre homem. agora vamos, puxa por esses cavalos.
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seguiram pelo estreito caminho do centro da vila, onde os velhos do costume bebiam no café, entraram pelo portão da majestosa quinta de d. casimiro, e os três seguidores próximos de casimiro rapidamente se aproximaram do padre pedindo que se despachasse, que por um fio a vida do senhor se encontrava, e que a bênção era urgente para se salvar a alma do purgatório, ou quiçá - por algum erro de registo superior - do inferno.
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ao entrarem na soleira da casa senhorial com mais de duzentos anos, já lívida se assomava da porta a filha da cozinheira, regina. com os olhos ensopados de lágrimas a miúda em pranto disse o que se temia. morreu, o senhor casimiro, morreu.
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bem se apressou o padre para não perder uma alma no céu, que d. casimiro sempre fora generoso nas suas obras e oferendas. mesmo tentando livrar-se de um pesado raspanete de deus, quem sabe de que forma, ainda usou os seus poderes supremos, traçando a cruz na testa do velho mais vezes do que o livro obrigava. ao sair da porta, procurando o tesoureiro da casa para pagar o trabalho de nosso senhor jesus, ouviu ainda o lamento rumorejante da viúva. pensou em apresentar as condolências ainda a quente, mas com o dinheiro na mão e o funeral mais rentável do ano para organizar, saiu com a vontade de beber um copo na taberna e preparar-se para um descanso antes da missa das sete da tarde.
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e foi já na hora das sete badaladas que se sentaram na mesa os empregados de d. casimiro, com um sentimento estranho entre eles. até que regina disse altaneira, com a certeza de que ninguém ouvira as últimas palavras do velho,
- sabeis quais as suas últimas palavras?
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(entreolharam-se suspeitando de uma fraude, mas a verdade é que ela fora a primeira a apresentar a notícia)
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- que disse ele mulher? desembucha….
- primeiro disse que o padre haveria de se enterrar de bosta até ao pescoço, e que se a sua alma parasse num recanto que não no céu, viria para se vingar.
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(mais um desvio de olhares arrepiados, e a impaciência a reinar)
- depois disse que com ele morrera o último político à face da terra. que nunca mais se enlevaria a prática do serviço ao povo. porém deixara em testamento um manuscrito com todos os segredos. depois fechou os olhos e suspirou.
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assim escureceu a casa, correram-se as cortinas, acenderam-se as velas e esfriou a noite na vila. até os gatos se esconderam com medo de uma alma que se adivinhava penada.

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